“LABIRINTO DE MENTIRAS” – Conceito de justiça
Inspirado em fatos, LABIRINTO DE MENTIRAS retrata uma empreitada hercúlea em busca de justiça poucos anos após o Holocausto. A principal dificuldade do protagonista é entender que tipo de justiça ele estava fazendo em seu trabalho.
O ano é 1958; o local, Frankfurt. O Promotor Johann Radmann, ainda no início da carreira, é informado por um jornalista que um oficial da SS estava ilegalmente trabalhando como professor. Ao descobrir que há mais nazistas impunes por seus crimes, Radmann recebe de seu chefe a função de liderar uma investigação para descobrir as pessoas que estão nessa situação.
O diretor Giulio Ricciarelli foi quem descobriu a história de Fritz Bauer, juiz que aceitou as denúncias que resultaram nos Julgamentos de Frankfurt, que julgaram ex-membros da SS atuantes em Auschwitz. É um episódio histórico real que Ricciarelli, juntamente com Elisabeth Bartel, transformou em um roteiro curioso justamente pelo conteúdo. Embora o prólogo seja instigante por consistir em um verdadeiro enigma ao espectador (que não o decifra quando aparece), o script não tem nada de extraordinário além do enredo em si.
Como é de se esperar, Radmann enfrenta inúmeras dificuldades externas para levar os nazistas ao banco de réus: muitos crimes prescreveram, a burocracia é enorme e há muita má-vontade de diversas autoridades das quais algumas diligências dependem. Também não é possível dar conta de tudo, como explica um colaborador do Promotor ao explicar uma metáfora sobre dois veados. É com base nisso que o filme não cai na cilada de ser simplista: alguns concordavam com o protagonista, ávido por punir os criminosos, enquanto outros entendiam que essa punição era um retrocesso, pois eram crimes de guerra e que já haviam sido julgados.
De fato, o Tribunal de Nuremberg já havia encerrado seus trabalhos. Entretanto – e é este um dos pontos-chave da trama -, não havia ocorrido um julgamento alemão, isto é, com alemães julgando os próprios alemães pelo que ocorreu em Auschwitz. Enquanto alguns faziam piadas sobre campos de concentração (o Procurador-Chefe ao falar sobre a comida da esposa), Radmann foi encontrando, aos poucos, aliados. Liderar a investigação seria a catapulta que a sua carreira precisava, já que era dedicado (como na cena do banheiro) e compromissado com a função (como na cena seguinte). Rígido no cumprimento da lei, mas não indiferente aos resultados práticos (solucionando o paradoxo jurídico do julgamento por infração de trânsito de uma maneira inusitada).
Com o avanço das investigações, Radmann fica obsessivo, tendo pesadelos e com visual mais desajeitado (talvez seria mais adequado dizer “menos impecável”, pois o terno não é abandonado, apenas acompanhado de maquiagem simulando olheiras e cabelo levemente despenteado). Em um primeiro momento, ele quer conhecer o perfil das pessoas que investiga, por isso vai até o padeiro. Sem perceber, a acusação de que estaria agindo como um xerife não é descabida, pois ele se dispõe a correr (literalmente) para garantir a prisão de um investigado.
Outro aspecto fundamental da personalidade de Radmann (além da dedicação ao labor) é a relação com o pai. Contudo, o assunto é resumido a um desdobramento previsível que serve como estopim para o declínio profissional. Alexander Fehling interpreta muito bem o Promotor, sem transparecer dificuldade nas cenas mais dramáticas. Contudo, André Szymanski é mais convincente no papel de Gnielka: ainda que, no começo, pareça apenas alguém com um discurso agressivo, sua fragilidade é revelada aos poucos, demonstrando que a valentia não elide a vulnerabilidade, tampouco o faz com a falibilidade. Gnielka é muito mais sagaz que Radmann, além de ter maior conhecimento do contexto do Holocausto, mas é ele quem provoca o Promotor a uma reflexão sobre um senso de justiça mais oportuno.
É natural que, com depoimentos estarrecedores, os envolvidos se emocionem e aumentem sua sede por condenação. Não obstante, a direção tem a sabedoria de transformar os testemunhos em sequências elípticas, não espetacularizando as atrocidades ocorridas em Auschwitz (inclusive para abafar um pouco a expectativa do espectador a esse respeito). Salvo por menções expressas laterais, os depoimentos são exteriorizados por gestos e lágrimas, sem recursos imagéticos que teriam impacto fácil no espectador. As mãos trêmulas dos depoentes podem bastar (a música eficaz é bem-vinda).
Outras duas personagens importantes são Simon Kirsch e Marlene Wondrak. Este, vivido pelo razoável Johannes Krisch, é a primeira vítima do Holocausto com quem Radmann tem contato; um cético que personaliza (no filme) as dores do deplorável evento histórico. Aquela representa um dos equívocos do longa: Friederike Becht não brilha no papel, sobretudo – mas não exclusivamente – porque é um papel deveras acessório dentro da narrativa. Se a função da personagem está no visual (o figurino sempre com cores avermelhadas e rosadas, alusão ao sangue derramado e ao romance que representa), o verde dos cenários (paredes, mesa etc.), como símbolo da esperança, é bem mais sutil – assim como a sala do Promotor-Geral, cujo fundo parece um tabuleiro de xadrez, ou a sala dos arquivos, que permite uma comparação imagética entre o trabalho (os arquivos) e o trabalhador (o Promotor).
“Labirinto de mentiras” tem deslizes inexplicáveis, como o excesso em relação ao professor (mau o bastante para dar um tapa em uma criança) e a metáfora estúpida sobre o rasgo no paletó de Radmann. Como produtivo, todavia, o filme estimula uma reflexão interessante sobre o conceito de justiça – aquela mesma que Gnielka provoca no amigo: por vezes, melhor que punir é dar atenção às vítimas.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.