“LA CASA DE PAPEL” [5ª TEMPORADA, PARTE 1] – O impulso das emoções
Heist é um subgênero das histórias de ação que têm um assalto como centro da narrativa, geralmente mostrando os planos do crime e os desdobramentos da ação. Como este subgênero muitas vezes coloca os assaltantes como protagonistas, os fora da lei precisam ser construídos de tal modo que os espectadores possam se envolver emocionalmente e se importar com os destinos deles. E desde 2018, LA CASA DE PAPEL se desenvolve sendo um sucesso na Netflix e uma obra capaz de levar o público a se emocionar com o que acontece com o Professor, Tóquio, Nairóbi, Rio, Helsinque e os demais do grupo. Por isso, a primeira parta da quinta temporada reforça ainda mais o aspecto emocional do roubo à Casa da Moeda da Espanha.
Os primeiros episódios lançados em setembro de 2021 retomam o desfecho da quarta temporada, quando Nairóbi foi assassinada por Gandía, o Coronel Tamayo organizava mais uma investida contra os ladrões e a investigadora Alicia Sierra rendia o Professor em seu esconderijo. A partir daí, o bando terá que lidar com uma operação mais violenta feita pelo Coronel para capturá-los enquanto seu líder está impossibilitado de comandar qualquer novo movimento. Com este conflito, os autores Álex Pina e Javier Gómez preparam o terreno para a conclusão da série, enfocando nas emoções das personagens, mas nem sempre conseguindo levá-las a um efeito realmente regular e significativo.
Na parte anterior, a narrativa já demonstrava claramente que a trama não precisaria avançar tanto para que houvesse uma série de novos capítulos. Apesar das críticas do público quanto à decisão dos realizadores de postergarem o encerramento da produção, a quarta temporada estabeleceu de vez a ideia de gerar sucessivos estímulos sensoriais através de recursos próprios das histórias de ação. Nos novos episódios, o uso desses recursos já são familiares e cada vez mais presentes, principalmente a montagem paralela nas sequências de ação que potencializam a tensão das ameaças aos protagonistas e as reviravoltas no plano criminoso – basicamente, as perseguições e os confrontos alternam as ações dos ladrões em pontos diferentes do edifício, as ordens de Tamayo do lado de fora, as reações dos reféns dentro do prédio, os comandos do Professor de seu esconderijo e os ataques dos militares. Inegavelmente, há momentos tensos e de grande adrenalina que fazem os espectadores vibrarem no ritmo dos acontecimentos, porém há a sensação de que a mise-en-scène não traz nada tão diferente do que já se viu anteriormente.
A estratégia que mais diferencia estes episódios dos anteriores tem mais relação com a estrutura do roteiro do que com soluções estéticas criativas. As reações sensoriais não são apenas desencadeadas pelos efeitos da montagem paralela, mas também pelas atitudes das personagens em situações urgentes e emergenciais. A crise instalada na Casa da Moeda chegou a um estágio tão intenso que os procedimentos dos policiais não seguem mais os parâmetros básicos da corporação e que as ações dos assaltantes não obedecem mais o plano, ou seja, muitas pessoas agem de improviso de acordo com seus impulsos. É assim que o Coronel Tamayo extrapola qualquer ética para prender o bando a qualquer custo e ocultar os próprios crimes por ele cometidos; que os assaltantes se questionam se o Professor não não colocou tudo em risco para salvar Lisboa da prisão; que Denver e Estocolmo cedem às provocações de Arturo e cometem erros durante a troca de tiros; que Bogotá e Denver comprometem os planos ao quererem se vingar de Gandía pela morte de Nairóbi; que Rio coloca sua vida em risco para salvar Tóquio; que os reféns entram em um conflito direto com os ladrões.
Como a escala dos conflitos e dos perigos atingiu o maior nível até aqui, o público que já vem acompanhando aqueles personagens até agora sente temor pelo que pode acontecer a eles. E não se trata de um sentimento somente evocado pelas cenas de ação e pelos impulsos dos personagens, já que os capítulos tentam ampliar o envolvimento emocional através de outros recursos já empregados pela série. Um exemplo é a narração em voice over de Tóquio, presente desde a primeira temporada, que ainda não foi explicada dentro da trama (algo que contribuiu para levar os fãs a criarem teorias sobre ser a única a sobreviver ao final da produção). Com o passar do tempo, esta narração parece mais problemática do que poderosa dramaturgicamente, já que ela aparece em momentos muito pontuais e desaparece em todo o resto, deixando de ter uma unidade dramática e passando a sensação de que é um recurso para explicar para o público o que se acredita que ele não conseguiria fazer por conta própria.
É possível imaginar que a narração em voice over de Tóquio faria sentido no quinto capítulo, quando a personagem é protagonista dos acontecimentos e parte de sua história é contada e relembrada. Porém, os problemas da narração são muito semelhantes aos flashbacks de sua vida antes da entrada no bando e nos primeiros momentos depois de ter sido recrutada pelo Professor: o instante em que estes recursos são inseridos à narrativa. Especialmente em relação às inserções do passado, estas cenas entram quando os fatos atuais dentro da Casa da Moeda estão mais aflitivos e preocupantes – por exemplo, quando determinada personagem está encurralada em uma situação que exige uma resposta rápida ou a troca de tiros atingiu o auge, o flashback entra de maneira abrupta e, muitas vezes, sem tanta conexão com o que se vê no tempo presente. Trata-se, então, de uma quebra de energia que prejudica o envolvimento sensorial do público, afinal a essa altura o que mais conta para se preocupar com as personagens são os riscos que elas passam no edifício e não sua história pregressa.
Da mesma forma, os outros assaltantes também possuem ocasiões específicas para gerar a empatia dos espectadores (embora nem sempre sejam tão eficientes do ponto de vista dramático e estético). Em geral, isso acontece a partir também de flashbacks, como é o caso de Manila e das dificuldades que sofreu ao fazer a transição para se tornar uma mulher trans, uma trajetória que se conecta à ideia de que os assaltantes são párias da sociedade enfrentando grupos hegemônicos e opressores. Por outro lado, os flashbacks de Berlim ensinando seu filho Rafael a ser um ladrão provavelmente terá algum impacto mais à frente, mas contribuiu pouco para a primeira parte da temporada já que são cenas que quebram a potência sensorial dos acontecimentos no presente. Além disso, a narrativa também se preocupa em retomar a questão da opressão dos desajustados como a terceira e a quarta temporada haviam pontuado com maior frequência, ainda que utilize símbolos irregulares – a lembrança de Palermo de que todos estão unidos pelo fato de serem marginalizados é expressiva, enquanto a menção de que os artefatos no museu pertenciam a povos violentados por países europeus parece algo excessivo e deslocado.
“La casa de papel” chega à quinta temporada investindo em uma sensação generalizada de que o fim está próximo e, com isso, as emoções ficam mais afloradas. O discurso e a dinâmica das personagens reafirmam essa ideia, assim como a percepção de que nem todos poderão se salvar de perigos que crescem continuamente. Novamente o roteiro não desenvolve uma trama que se caracteriza por poucos acontecimentos prolongados (o embate entre o Professor e Alicia e os confrontos entre o bando e os militares) e pela sensação de que os primeiros e os últimos capítulos acrescentaram pouco ao que já havia (o sacrifício de uma personagem específica). No entanto, a série cai na própria armadilha que retrata para suas personagens: o impulso de agir pelas emoções. Dessa maneira, uma história se prolonga mais do que precisaria, alguns fãs se questionam sobre a necessidade de adiar cada vez mais a conclusão e as estratégias estéticas de fortalecimento dos laços emocionais afasta mais do que integra o público. Fica assim um desafio extra para a segunda parte enfim saber como encerrar com um clímax compatível.
Um resultado de todos os filmes que já viu.