“JURASSIC WORLD: DOMÍNIO” – O velho e o novo, o bom e o ruim
Clique nos títulos para ler as nossas críticas dos filmes anteriores:
– Trilogia clássica: “Jurassic Park: o parque dos dinossauros” (1993), “O mundo perdido: Jurassic Park” (1997) e “Jurassic Park III” (2001)
– Nova saga: “Jurassic World: o mundo dos dinossauros” (2015) e “Jurassic World: reino ameaçado” (2018).
Vinte e nove anos depois de “Jurassic Park: o parque dos dinossauros”, JURASSIC WORLD: DOMÍNIO tenta encerrar a nova trilogia – composta também por “Jurassic world: o mundo dos dinossauros” e “Jurassic world: reino ameaçado” – ao mesmo tempo em que presta um tributo à original, iniciada em 1993. O resultado é bagunçado e entra em choque com a própria grandiloquência.
Quatro anos após a destruição da Ilha Nublar, agora os dinossauros convivem com a humanidade em todo o planeta. O equilíbrio da natureza está sendo cada vez mais afetado, o que é agravado com a caça ilegal e as atividades de empresas de interesses escusos. Claire e Owen se dedicam à causa, encontrando dificuldades ainda maiores para cuidar de Maisie, que quer saber mais sobre suas origens.
É preciso reconhecer que o longa de Colin Trevorrow possui verossimilhança interna. Por exemplo, uma fuga noturna, de carro, em meio a triceratops, pode parecer insana, mas faz muito mais sentido do que a correria de salto alto que Claire protagoniza no primeiro filme da nova trilogia – dirigido também por Trevorrow. São inúmeras as inconsistências do roteiro, escrito por ele e Emily Carmichael, sendo a mais grave delas a que envolve Kayla, papel de DeWanda Wise. A personagem poderia ser mais que uma badass, poderia, dentre outras características, fazer sentido. Não é esse o caso: ela ajuda Owen e Claire, com risco pessoal e patrimonial, sem motivo algum (ou seria o fato de ter visto Maisie antes de encontrá-los? Nesse caso, o texto é mais estúpido ainda). O roteiro parece chamar o espectador de idiota quando Kayla, por coincidência, entra em contato com uma conhecida que, por mais uma coincidência, está sendo momentaneamente supervisionada por seu chefe. Na verdade, é o roteiro que é idiota, basta ver a pobreza dos diálogos, quando não são incoerentes (como Kayla pode afirmar que “não perdeu o jeito” se é uma personagem completamente nova?).
Apesar de todos esses defeitos, não é isso que prejudica “Dominion”. Na verdade, o terceiro capítulo tem diversas virtudes, a começar pelo design de produção, que usa tons frios (branco e azul, principalmente) nas cenas iniciais para depois diferenciar, por tons pastéis, o local em que Claire e Owen se encontram. Algumas qualidades do segundo episódio, dirigido por Juan Antonio Bayona, foram mantidas, ainda que atenuadas – é o caso das referências ao terror, como na cena protagonizada por Lewis (Campbell Scott), que tem um lado gore que o primeiro capítulo pouco explorou. Esteticamente, Trevorrow tem um trabalho de bom nível. Mesmo que a maior parte das cenas de ação seja noturna (o que facilita imensamente o trabalho de efeitos visuais), o cineasta expõe os animatronics nas cenas diurnas com naturalidade e deixa pequenas referências visuais bem interessantes (como o aparecimento do T-rex atrás do círculo, tal qual o logo da franquia). Assim como em “Reino ameaçado”, ainda, a trilha de Michael Giacchino é similar à original de John Williams, paradigma incomparável que eleva a qualidade de qualquer filme.
O erro de Trevorrow não é retornar ao tom leve do primeiro filme da nova trilogia. Isso representa, no máximo, uma incoerência da própria trilogia, já que o segundo episódio destoa dos outros dois. Também não é problemática uma identidade assumidamente “galhofa”, pois é positivo que o filme, que não é sério, não se leve a sério. São duas as grandes falhas do longa. A primeira está na sua bagunça temática, resultado de um roteiro que precisa reunir excessos. A ideia governante é nebulosa: o prólogo sugere uma reflexão genérica sobre a responsabilidade dos seres humanos pelo que ocorre na natureza; o plot que tem Ellie como protagonista fala de maneira específica sobre os impactos ambientais das empresas inescrupulosas; no meio disso existe ainda um debate ético envolvendo o dr. Wu (BD Wong). O excesso está também no número de personagens. Muitas delas são descartáveis, como Ramsey (Mamoudou Athie) e Santos (Dichen Lachman), outras reaparecem como uma homenagem ao começo da nova saga, como Barry (Omar Sy).
Nessa mistura desmedida de elementos, o diretor – eis sua segunda falha – não consegue controlar o enorme desnível entre as subtramas. O retorno de personagens do clássico, nomeadamente Ellie (Laura Dern), Alan (Sam Neill) e Ian (Jeff Goldblum), já seria suficiente para ofuscar as personagens da nova trilogia, Owen (Chris Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard), em razão da memória afetiva do público. Como se não bastasse, o arco narrativo de Ellie e Alan, envolvendo sua preocupação com uma epidemia de gafanhotos, é muito mais interessante que o de Owen e Claire, que agora se assumem como um casal e cuidam de uma adolescente como se fossem pais dela – trata-se de Maisie, o esquecível papel de Isabella Sermon, já presente em “Reino ameaçado”. Enquanto o casal clássico tem um reencontro nostálgico, o casal novo precisa lidar com a rebeldia de uma menina que talvez seja o que “Jurassic world” tem de pior. Além de insuportavelmente chata, Maisie é responsável por uma subtrama que foge muito do que é principal na saga jurássica – leia-se, dos dinossauros – sob pretexto de formar um elo com a trilogia original.
É bem evidente que Trevorrow não consegue reunir de maneira harmônica o novo e o velho, e é ainda mais evidente que o velho é muito superior ao novo. Os animatronics são melhores que o CGI; a trilha original é tão incrível que a derivada só pode dela se aproximar; e o elenco clássico é cativante, ao passo que os demais são desinteressantes. Em uma pérola do roteiro, Ellie profere para Claire palavras de sabedoria: segundo ela, “quem se apega aos arrependimentos fica preso ao passado, mas o que importa é o que fazemos agora”. Pensando assim, teria sido melhor não fazer a nova trilogia.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.