“JUDAS E O MESSIAS NEGRO” – Um orador, um traidor e uma guerra
A despeito de seu título, JUDAS E O MESSIAS NEGRO não estabelece grandes paralelos bíblicos além da dualidade óbvia entre o salvador e o traidor. O suporte bíblico, contudo, não é necessário, pois a força do filme reside no potente suporte fático de um pretérito não muito distante, mas sempre presente.
Depois de preso em flagrante, Bill O’Neal recebe uma proposta do FBI: infiltrar-se no partido dos Panteras Negras, fornecendo informações privilegiadas. Seu alvo é Fred Hampton, ativista dos direitos dos negros e revolucionário líder do partido, cuja proeminência política preocupa o FBI.
Baseado em fatos, o que o diretor Shaka King coleta de imagens reais é melhor que o material ficcional produzido por ele. Não que o longa seja ruim, mas é um pouco limitado a um aspecto já conhecido por obras similares. Para a polícia, os Panteras Negras são mais perigosos que os chineses e os russos, são terroristas idênticos à Klan, apenas com outra bandeira. Para os Panteras Negras, a polícia é racista, comparável a porcos, não piores apenas que os ratos que trabalham para a polícia como infiltrados.
O roteiro de Will Berson e Shaka King acerta ao colocar o foco em Bill, o infiltrado. “Judas e o messias negro” não tem a sagacidade de “Infiltrado na Klan” (clique aqui para ler a nossa crítica) para usar comédia, o assunto é sério e é tratado com seriedade, amenizado apenas pelo romance entre Fred e Deborah – o que, ao contrário do filme de Spike Lee, reduz a pujança do texto. LaKeith Stanfield está ótimo no papel de Bill, um criminoso comum chantageado para sair do ilegal ao imoral para se safar.
Bill é o vilão inequívoco da estória: começa cometendo um crime (ilegalidade) e tem na traição (imoralidade) a porta para benefícios que deseja. É verdade que ele se arrisca por Fred (ganhando um apelido do qual acaba gostando) e também é verdade que se empolga com a retórica de seu alvo (o que faz com que Roy comece a duvidar da sua fidelidade ao FBI), mas não é menos verdade que sua motivação é a vida que gostaria de ter (e que acha que o FBI pode dar).
A direção faz com que os diálogos entre Roy e Bill ocorra em cenários eloquentemente simbólicos. O primeiro é em uma sala apertada, de paredes azuladas (transmitindo frieza) e quadriculada de quadrados grandes (simulando uma cela). Adiante, conversam na residência do agente, uma casa com recintos amplos e mobília suntuosa (diferente de tudo visto até então), um local onde Bill pode degustar as melhores bebidas e fumar um charuto tranquilamente, provando um pouco da vida que quer. Em um restaurante, mais uma vez, com a refeição paga, Bill encontra a mordomia que deseja.
Seguindo esse raciocínio, Bill enxerga vantagens na infiltração. Se descoberto, pode sofrer muito mais do que sofre no início – já que não está acostumado aos valores dos Panteras -, mas ele se sente fora da guerra mencionada por Fred. Citando Mao Tse-Tung, o líder revolucionário explica que “política é guerra sem derramamento de sangue, enquanto guerra é política com derramamento de sangue”. Na verdade, Bill sabe disso, como demonstra ao explicar para Roy que um distintivo é mais assustador que uma arma. Ainda assim, ele prefere se colocar fora da disputa.
Embora o filme mostre a união policial contra os Panteras (como a represália pelos policiais mortos), da mesma forma que revela o racismo dentro da instituição (na expressiva cena em que Roy é questionado por seu chefe sobre Samantha, sua filha), mas não se preocupa muito em se debruçar sobre a motivação dos próprios Panteras. Sua luta é exibida como uma causa revolucionária, emancipatória, libertária e anticapitalista, porém o filme foca exclusivamente na guerra contra a polícia. A atmosfera é bélica, a fotografia usa bastante tons esverdeados para criar cenários bélicos (da mesma forma que os uniformes), mas o ódio contra a polícia é pressuposto, dispensando explicações, ao menos na ótica do filme.
Daniel Kaluuya impressiona no papel de Fred: diferente do rapaz franzino dos papéis anteriores, agora ele está parrudo; diferente das personagens anteriores de poucas palavras e de perfil introspectivo, Fred é explícito, vocal e cáustico. “Eu sou um revolucionário” é seu grito, repetido por multidões. Kaluuya é o que o filme tem de melhor, o que, contudo, não apaga o outro lado dos Panteras Negras. Da forma como o filme transmite, parece que sua causa é enfrentar a polícia. Fred se considera um homem de ação, mas são os seus potentes discursos as suas cenas principais. O trabalho beneficente é mencionado, mas não exibido. Ao contrário do que afirmava a polícia, os Panteras Negras não plantavam o ódio. O filme se limitou a um orador, um traidor e uma guerra, o que é pouco para um contexto rico como o selecionado.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.