“JOJO RABBIT” – Ridicularização do nazismo [21 F.Rio]
Temas históricos há muito fazem parte do leque de opções das narrativas cinematográficas e seguem despertando o interesse de diferentes realizadores. Em alguns casos, diretores e roteiristas buscam na História material para dar vazão a propostas pouco usuais e ousadas, como a existente em JOJO RABBIT. Taika Waititi comanda um projeto cômico sobre o nazismo e Adolf Hitler, tendo o cuidado de sustentar seu tom adequadamente por saber para onde direcionar o alvo do humor.
A ideia do diretor e roteirista é ridicularizar essa doutrina de extrema direita, situando a história na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Ali vive Jojo, um menino de dez anos que tem como grande sonho participar da Juventude Hitlerista e como amigo imaginário Adolf Hitler. Enquanto se forma dentro do ideário nazista, ele descobre que sua mãe esconde uma jovem judia no sótão de casa. Após as seguidas tentativas frustradas de expulsá-la, começa a desenvolver uma empatia pela nova hóspede.
A perspectiva do filme se assemelha bastante a “Dr. Fantástico“. Se Stanley Kubrick havia retratado a Guerra Fria de maneira patética tanto no ponto de vista soviético quanto norte-americano, Taika Waititi faz o mesmo com os ideias e as práticas do nazismo. O fato de a crítica não ser convencional não significa dizer que ela não existe ou que não tem valor – pelo contrário, significa escancarar o absurdo de uma ideologia autoritária, opressora e intolerante. A Juventude Hitlerista aparece como um bobo acampamento infantil de escoteiros; os símbolos são depreciados, como a suástica ser encenada pelos movimentos dos jovens; as saudações de “Heil, Hitler” são insensatas porque ditas inúmeras vezes em pouco tempo e de maneira burocrática; o antissemitismo produz um discurso caricato em que os judeus são descritos como monstros de hábitos e caracterizações fora da realidade; e o arianismo baseado na crença da superioridade física e intelectual dos alemães é negado na cena em que se dizem civilizados, mas, em seguida, queimam livros e na grande quantidade de personagens que apresentam algum tipo de limitação física.
Essa abordagem não subestima nem relativiza as graves consequências provocadas por aquele sistema porque também critica os sujeitos associados a ele. Hitler é um indivíduo tresloucado com movimentos e inflexões de voz cartunescas (na primeira cena, surge agindo infantilmente), atitudes despropositadas, como oferecer cigarros a uma criança, e falas aparentemente irreais mas compatíveis com sua trajetória histórica, como incentivar a violência e colocar a culpa em Winston Churchill. Jojo é a representação do fanatismo da extrema direita, deixando para trás a realidade de sua faixa etária para se preparar para a guerra e defendendo a ideologia sem reflexões sobre o que significa. O Capitão Klenzendorf é um canastrão que sente prazer em usar armas de fogo, porém é incompetente em tudo que faz e, por isso, sempre acaba rebaixado de função. O aparente exagero dessas figuras, na verdade, não se distancia do realismo de quem carrega ações e princípios absurdos e extremistas.
O cuidado em fazer piadas sobre o assunto também exige o discernimento de não utilizá-las com quem sofreu com o nazismo ou se opôs a ele. Em alguns momentos, são mostrados com seriedade os opositores do regime executados em praça pública para demonstrar a presença da violência em uma sociedade militarizada. Da mesma forma, os riscos de vida corridos pelos judeus são exemplificados com sobriedade pela necessidade da jovem Elsa em se esconder como estratégia de sobrevivência e pelas atitudes extremas realizadas por ela para se proteger. Outro elemento essencial para essa proposta é composição da mãe Rosie, uma mulher que, apesar de viver no país naquelas condições, rejeita os valores oficiais do governo e se esforça para fazer o mesmo com o filho – acrescente-se o fato de que ela é a responsável por oferecer a Jojo uma nova perspectiva de vida, que valorize a beleza da existência e as particularidades do cotidiano de um menino de dez anos.
Outra referência possível de ser identificada na narrativa é “Moonrise Kingdom“, de Wes Anderson. As escolhas estéticas são semelhantes, já que Taika Waititi compõe travellings com os personagens se deslocando e planos com cores muito fortes (um contraste acentuado entre a temática histórica mais séria e o design de produção lúdico que igualmente ajuda na construção da comédia). A inspiração no trabalho de Anderson também aparece na concepção das piadas, algumas criadas pela quebra de expectativas de uma cena a outra, mas principalmente pela dinâmica disfuncional e muito particular entre os personagens. A própria construção de um front de batalha dentro da cidade reafirma o tom mais satírico da produção, deixando de lado um realismo palpável e investindo em um arco idealizado para o protagonista.
Em razão da combinação imprevisível do comediante, no cargo de direção e roteirista, com o tema histórico do nazismo, “Jojo Rabbit” se configura como uma história cômica e lúdica de amadurecimento para o jovem. Através do contato com o Hitler imaginário, a mãe e o capitão, Jojo passa por um processo de desnazificação que traduz de modo pouco convencional como os autoritarismos são patéticos, ridículos e precisam ser combatidos, inclusive pela arte.
*Filme assistido durante a cobertura da 21ª edição do Festival do Rio (21th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.