“JOGADOR Nº1” – Mensagem ineficaz, mas inegavelmente divertido
Ignorando o roteiro, JOGADOR Nº1 é irrepreensível em quase todos os sentidos: edição e mixagem de som, trilha sonora, fotografia, design de produção e direção. Sua qualidade formal não apaga, todavia, as falhas de roteiro. Ou seriam as falhas de roteiro que não apagam a qualidade formal do longa?
O longa se passa em 2045, em Columbia (Ohio), tendo como protagonista Wade Watts (Tye Sheridan, que vai bem no papel), um jovem que, assim como faz a imensa maioria da população mundial, prefere a realidade virtual do OASIS ao distópico mundo real. Com o falecimento de James Halliday, criador do OASIS, todos os jogadores se esforçam para solucionar o desafio que Halliday deixou, pois isso garante ao vencedor herdar sua fortuna e sua posição na empresa. Wade se propõe a executar a tarefa, não tendo noção do quanto fantasia e realidade ficariam próximas.
O argumento não é ruim e a mensagem é salutar nos tempos atuais: por melhor que seja a realidade virtual, ela continua sendo virtual, jamais substituindo a realidade empírica. O grande problema é que essa mensagem não consegue ser transmitida de maneira efetiva para o seu público, variando apenas entre o excessivamente sutil, passando despercebida, e o declaradamente óbvio, sendo ignorada. Por exemplo, quando um amigo do protagonista o censura por se apaixonar por uma jogadora que ele não conhece fora do jogo, esse alerta acaba não tendo função narrativa, sem ser eficaz para convencer Wade que o mundo real é melhor que o virtual. Nesse caso, como convencer o público juvenil?
Enquanto o OASIS é apresentado como uma utopia (e o nome da plataforma não é despropositado), a realidade é distópica (e ambos muito semelhantes ao que existe hoje), portanto, desinteressante. É assim que o jogo, de uma opção escapista às mazelas do cotidiano, se torna um paraíso do qual ninguém quer sair. Como diz o próprio Wade, “hoje em dia, a realidade é deprimente, por isso todos querem fugir”: da maneira como o filme retrata, essa ideia é insofismável, tamanho seu grau de convencimento.
Contando com frases vagas como “a realidade é real”, o longa não consegue ao menos explicar por que “a realidade é deprimente”. Além de traumas emocionais pessoais, não há elemento concreto que demonstre a razão dessa insatisfação geral – e dizer que “é preciso passar mais tempo no mundo real” não é suficiente, pois não demonstra o motivo dessa necessidade, muito menos no sentido macro (já que o público do OASIS é o mais heterogêneo possível). Quando Wade entra no jogo, tudo se torna mais emocionante, o que justifica facilmente o seu fascínio. Por outro lado, isso enfraquece a mensagem proposta.
Não se pode negar que, no que se refere a aspectos formais, o filme é maravilhoso: o CGI é sensacional e o 3D é espetacular, resultando em um visual fantástico. Nesse sentido, a direção de Steven Spielberg é soberba, fazendo sequências memoráveis, como a da corrida de carros, a do precipício com gravidade zero e a que se refere ao clássico “O iluminado”, que é genial (provavelmente a melhor da película). Nessa última, por exemplo, não apenas a recriação cenográfica do clássico de Kubrick é absurdamente fiel, como adiciona elementos ausentes na obra original, o que fica ainda melhor nesse caso. A ideia é sempre colocar o espectador dentro da ação – o que a tecnologia 3D reforça -, como ao simular a câmera dentro do “banho de sangue” no hotel, sempre no formato de um jogo, o que se reflete também na estética dos avatares das personagens (que inclui detalhes surpreendentes, como suas peles ásperas). A câmera de Spielberg acompanha os acontecimentos, jamais ficando estática.
Outro elemento essencial do filme são as referências: o longa é repleto de easter eggs (menções ocultas) relativos à cultura pop, como elementos cinematográficos textuais (de “Clube dos cinco?” a “Cidadão Kane”) ou visuais (de “Alien: o oitavo passageiro” a “O Senhor dos Anéis”), incluindo também personagens icônicas (nesse caso, melhor não exemplificar e evitar spoilers), até mesmo extrapolando a sétima arte – como ao mencionar artistas reais, personagens de gibis e, por óbvio, jogos de videogame. Claramente a ideia é homenagear a cultura das décadas de 1970 e 1980 (o próprio enredo remete a “Tron: uma odisseia eletrônica”), inclusive na trilha sonora, que engloba desde um clássico reverenciado como “Stayin’ alive” (Bee Gees) até músicas não tão famosas como “You make my dreams” (Daryl Hall e John Oates); do rock pesado da banda AC/DC ao mais suave de Tears For Fears, usando ainda uma pegada techno com “Jump”, de Van Halen, dentre outros.
Ainda que o script de “Jogador nº1” tente se desvencilhar de seus furos, do seu maniqueísmo e do uso de deus ex machina, esses elementos estão lá. Também a ineficácia ao transmitir a mensagem é decepcionante: seria ótimo disseminar para a atual geração adolescente a ideia segundo a qual o ambiente virtual não passa de uma fantasia digressiva. Não obstante, considerando sua forma impecável e o manancial de referências, não se pode negar o quão divertido o filme consegue ser.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.