“JARDIM DOS DESEJOS” – O mero desejo de causar sensações
Assim como vários outros filmes do mesmo cineasta, como “Fé corrompida”, JARDIM DOS DESEJOS é um filme sobre redenção. Com um plot bastante similar ao de “O contador de cartas”, Paul Schrader mais uma vez usa uma alegoria (ao invés da religiosidade ou do jogo de cartas, a jardinagem) de rico potencial, explorado por personagens pujantes, mas com um resultado aquém dessa capacidade hipotética.
Narvel tem um passado do qual não se orgulha e que deixa marcas ainda hoje. Na atualidade, porém, ele é um jardineiro competente que trabalha para uma rica senhora, Norma Haverhill. Quando ela pede que ele empregue a sua sobrinha-neta, Maya, como aprendiz, a vida pacata da dupla passa a ser atormentada por fatos que demandam um retorno ao passado de Narvel.
Histórias de redenção pertencem a um grupo que geralmente cativa com facilidade. A identificação cinematográfica secundária é estimulada por um enredo que elabora um protagonista pelo qual é fácil torcer, já que qualquer pessoa, de alguma maneira, se sente obra da superação do passado (orgulhando-se dele ou não), isto é, ninguém afirma que a própria vida sempre foi fácil. Em se tratando do protagonista de “Jardim dos desejos”, a situação é mais complicada porque, como mencionado, seu backstory não é fácil de ser apagado, o que inclusive gera um leve twist visual bem impactante. Narvel é atormentado pelo que foi, mas é justamente graças ao que foi que hoje ele consegue ser gentil com os outros e, sobretudo, compassivo com Maya (o diálogo em que ele faz um pedido a Norma, em favor da jovem, é excelente).
O protagonista é uma personagem interessante não apenas pela evidente transformação, mas sobretudo porque seu histórico gera a curiosidade no espectador: o que ele fez de tão terrível para ter essa aparência de mortificado? A interpretação de Joel Edgerton enaltece o amargor de Narvel, pois a expressão constantemente séria, mesmo diante de atos de gentileza, tornam a sua angústia mais sombria (tão sombria quanto o que ele deve ter feito). No papel de Norma está Sigourney Weaver, que engrandece a personagem porque demonstra que ela é uma mulher narcisista tanto quanto possessiva. Em sua zona de conforto, Norma se deleita com a deferência com que Narvel se dirige a ela (concordando que ela ficou bem com o vestido cor esmeralda, por exemplo) ou com o planejamento de um evento de caridade cujas aparências são mais relevantes que seu escopo. Quando a situação sai do controle, Weaver mantém na personagem o limite do descontrole, não recaindo no overacting que colidiria com sua personalidade. Assim, Maya não pode ser recebida calorosamente; além disso, a hipótese de perder o que considera sua propriedade (não à toa, ela é a dona do grandioso terreno) a deixa consternada a ponto de quase – e a palavra quase é fundamental – perder a compostura.
A austeridade de Norma é reforçada pelos seus trajes sempre elegantes (mesmo quando existe a chance de se sujar no jardim). Há coerência também no figurino de Nerval, que varia, majoritariamente, entre ternos escuros sóbrios e trajes de jardineiro (ainda que menos sujos do que se poderia esperar). O que destoa, porém, é Maya, não pelo vestuário, mas pela atuação de Quintessa Swindell, cujo nível é bem inferior ao de Edgerton e de Weaver. Por exemplo, na cena em que Maya afirma estar tremendo, a atriz não demonstra absolutamente nenhuma afetação; quando a personagem, no dizer de Narvel, “extrapola” o que lhe caberia falar aos interlocutores, ela parece apenas uma adolescente tardia, não uma jovem conturbada com problemas bastante adultos.
O diretor e roteirista Paul Schrader deixa a impressão de que não explora todas as potencialidades da alegoria do jardim. Parte disso se deve às falas expositivas em voice over de Narvel, que alcançam um status desconfortável de pieguice (como “somos jardineiros, arrancamos ervas daninhas” e “as sementes do amor crescem como as do ódio”). É interessante o modo como o protagonista fala questões técnicas da jardinagem, como termos de botânica e mesmo a História da atividade. Porém, é a mesma alegoria que impede o longa de alcançar outro patamar. É o que ocorre no trânsito de gêneros, porquanto o drama e o romance são decepcionantes quando comparados ao suspense. Assim, por exemplo, a cena em que Narvel espera Maya dentro do carro, filmada no interior do veículo, é muito boa, restringindo a visibilidade para elevar a tensão; por outro lado, a cena em que os dois gritam na estrada, de dentro do veículo, parece pertencer a outro filme. Se Schrader mergulhasse no lado sombrio da obra, como a trilha musical sugere muitas vezes (e também o design de produção, vide os amplos e esvaziados recintos da casa de Norma), “Jardim dos desejos” traria mais emoções ao público. Como é elaborado, fica apenas no desejo de causar sensações restritas aos instantes de suspense.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.