“IO: O ÚLTIMO NA TERRA” – O poder construtor da humanidade
Não é raro se deparar com filmes sci-fi que vilanizam a humanidade por considerá-la a responsável pela destruição da natureza. Não que a afirmativa anterior esteja completamente equivocada, afinal muitas catástrofes ambientais são resultantes do impacto predatório do homem; mas trata-se de ir um pouco além como IO: O ÚLTIMO NA TERRA tenta fazer: simultaneamente, responsabilizar nossa espécie pelos danos ao planeta e compreender as marcas positivas deixadas por sua existência. Não houvesse um desencontro entre a proposta ambiciosa e o tom minimalista, o objetivo poderia ser atingido.
O filme apresenta uma Terra pós-apocalíptica, onde desastres ambientais tornaram a atmosfera tóxica e os locais de sobrevivência praticamente inexistentes. Em uma das poucas áreas com oxigênio disponível, Sam Walden trabalha na pesquisa do pai para comprovar a possibilidade de o planeta se adaptar às novas condições e permitir o retorno de qualquer forma de vida. Quando o misterioso sobrevivente Micah chega até lá, querendo levá-la para a colônia espacial onde o resto da humanidade passou a viver, ela precisa decidir se permanece ou não na Terra.
A expectativa por grandes sequências de ação, efeitos visuais impressionantes ou reviravoltas dramáticas são frustradas imediatamente pela narrativa. A ficção científica não pretende ser uma produção dentro dessas características porque escolhe um ritmo lento, contemplativo e intimista para dar espaço àquilo que lhe interessa: discutir como a humanidade pode se apegar a algo claramente devastado. A câmera se movimenta discretamente e registra o desenrolar da trama através de planos gerais e longos, dedicados a acompanhar a dinâmica da vida de Sam: a criação de abelhas, a verificação do nível de toxicidade do ar, a exploração de diferentes áreas do planeta e a interação com Micah – a partir da relação entre os dois personagens, o mundo anterior é relembrado e as projeções de uma eventual nova vida no planeta são feitas.
Por mais que Sam tenha um namorado a esperando na colônia espacial de IO, ela hesita em partir por acreditar que seja possível uma renovação da Terra. Dessa forma, a temática da obra se destaca ao indicar a existência de belezas criadas pela humanidade, a despeito do caráter destrutivo que ela pode ter: a filosofia de Platão comprova a necessidade de encontrar conexões sociais; a genética explica a capacidade de transformação (nos mais variados sentidos) dos seres vivos; a arte e a história mostram as criações encantadoras e a complexidade da vida humana. Contudo, as digressões filosóficas, existencialistas e artísticas presentes no roteiro são inseridas de modo frágil no arco dramático de Sam e Micah – o minimalismo da narrativa impede que sejam feitas associações perceptíveis entre tais citações e os personagens.
Por conta desses problemas, os atores lidam com dificuldades na composição dos arcos dramáticos. Anthony Mackie tem como única indicação clara do texto a instabilidade emocional de Micah, que parece abrupta porque seu passado não é trabalhado para evidenciar as influências no homem em que se transformou (seu conflito chega a ser didaticamente verbalizado para tentar dar força ao personagem). Margaret Qualley se sai ligeiramente melhor, já que Sam é estabelecida como o centro da narrativa que transmite o conflito interior de quem ainda busca algo em seu planeta e enfrenta a razão que clama pela saída do mundo destruído – a atriz sabe como trabalhar os silêncios para traduzir suas dúvidas e apreensões.
O ambiente onde tais questionamentos acontecem é construído, principalmente, pelo trabalho de fotografia de André Chemetoff. A paleta de cores alterna entre, de um lado, a névoa cinzenta com uma obscuridade melancólica e opressiva nas áreas onde a destruição é total e a atmosfera, nula, e, de outro, o frescor dos últimos vestígios de luz natural em locações onde as cores ainda guardam um pouco da vitalidade original. Além disso, o desenho dos planos sempre torna os personagens integrados aos cenários: sentindo-se pertencentes ao estúdio da pesquisa científica (como é o caso de Sam) ou intimidados pelo ambiente de vegetação arrasada, nuvens lúgubres ou espaços urbanos destruídos (casos de Sam e Micah).
A construção do universo fílmico poderia ser ainda melhor se a direção de Jonathan Helpert acompanhasse a fotografia eficiente. O cineasta utiliza bem os planos abertos e a condução lenta do filme, porém recorre a planos-detalhe, por exemplo, em partes do corpo da protagonista, que não exercem uma função dramática propriamente dita. Em geral, sua câmera concebe planos de imagens esteticamente belas e expressivas, ainda que não consiga traduzir visualmente os temas e questões densos do roteiro.
“IO: O último na Terra” expressa visualmente a solidão e as incertezas de uma pessoa apegada àquilo que considera ser o seu lar e sua obrigação. A construção minimalista das sequências centradas na própria Sam ou nos desencontros entre ela e Micah também se revelam um acerto. Entretanto, a grandiosidade dos temas, levantados para justificar como a humanidade também pode ser construtora de feitos importantes, se choca com o estilo do filme. A breve duração e as várias lacunas no texto e na estética tornam a profundidade dramática da ficção científica um mero rascunho inacabado e incompleto.
Um resultado de todos os filmes que já viu.