“INSTINTO MATERNO” – Muito olhar para pouca emoção
Primeiro, INSTINTO MATERNO começa como um desnecessário suspense. Após uma apresentação, tem no drama seu incidente incitante. Cansando-se do drama, abraça novamente o viés inicial, flertando com o suspense psicológico. Sem essa crise identitária, isto é, com mais convicção (e melhor elaboração) sobre o seu próprio tom, o filme poderia ultrapassar o nível de mediocridade que apresenta.
Alice e Céline são amigas e vizinhas felizes com a amizade entre seus filhos, respectivamente, Theo e Max. Tudo muda depois de um acidente envolvendo uma das famílias, cujas consequências seriam até então impensáveis para ambas.
Em teoria, trata-se de um filme de suspense, pois isso está no trailer, na trilha musical (que é, no máximo, esquecível) e, principalmente, no prólogo. Os minutos iniciais são relevantes porque geralmente ditam o estilo da produção. Nesse caso específico, a opção por um suspense curto é inócua, tornando-o nada envolvente por ocorrer cedo demais. Como se não bastasse, Benoît Delhomme, em seu primeiro trabalho na direção, demonstra considerável inabilidade para criar a indispensável tensão, basta ver a cena em que uma personagem se esconde de outra em um porão, onde o cenário é mal exibido, impedindo o espectador de antever o quão provável é o flagra.
Mais do que isso, o suspense é sobre o quê? Qual o tema do filme? O roteiro de Sarah Conradt (elaborado a partir do romance de Barbara Abel) sugere ser a maternidade, considerando o título do longa (idêntico no original) e alguns diálogos, mas a relação da dupla principal com suas próprias condições maternas é insuficientemente desenvolvida. Na verdade, as próprias personagens são pouco desenvolvidas, o que prejudica o engajamento do público. No máximo, há um esboço de insatisfação de Alice com a própria vida (no sentido profissional), o que poderia ser aprofundado em relação à emancipação feminina (que não seria o assunto principal, mas atribuiria maior significado ao desfecho). Não é esse, inclusive, o único desperdício: Simon (Anders Danielsen Lie) e Damian (Josh Charles), os maridos, são figuras terciárias que, se aproveitadas, elevariam o mistério da narrativa.
Nos papéis principais estão Anne Hathaway como Céline e Jessica Chastain como Alice. Superficialmente, talvez suas atuações possam convencer parcela do público, porém seus desempenhos não são nada mais que medianos. Hathaway não consegue atribuir a ambiguidade necessária para tornar Céline interessante, mantendo uma ingenuidade que torna a personagem insossa mesmo no drama. Chastain apresenta um trabalho mais sólido, é verdade, mas isso é resultado do próprio roteiro, que dá à personagem um arco mais óbvio. Isso se torna um revés, inclusive, quando a obviedade começa a caminhar para um suspense psicológico que não é plantado desde o início e que solucionaria mal a trama. Eamon Patrick O’Connell acaba sendo o melhor do elenco, pois o ator mirim transmite bem a inocência infantil sem deixar de lado as particularidades de uma criança traumatizada. Na prática, sem deixar evidente, a personagem parece prestes a causar danos graves, seja por implosão (resultado dos traumas), seja pela infantilidade (traduzida por falas angelicais na intenção, mas perniciosas no resultado).
Além da atuação de O’Connell, o visual do longa é uma de suas maiores virtudes, com destaque para os figurinos e penteados da época. O design de produção é provocativo, na medida em que cria planos monocromáticos a priori, mas insere neles personagens com vestuário de outra cor, deixando claro o quanto destoam. É o que ocorre na cena posterior à elipse de um mês, quando as paredes estão da mesma cor da roupa de uma personagem (amarelo), mas diferente daquela de outra (rosa). Outro exemplo ocorre no quarto de hóspedes, em que as paredes, as roupas de cama e o roupão de uma personagem são azuis, ao passo que a outra está vestindo preto.
A cena do incidente incitante tem uma decupagem boa, dosando a sequência dos acontecimentos para dilatar seu impacto. Entretanto, o filme como um todo parece no aguardo por uma direção consistente. É curioso o quanto o olhar é aproveitado por Delhomme, considerando as cenas em que uma personagem aparece, à espreita, assistindo a outra (no prólogo, na cena posterior ao incidente incitante, na cena do porão etc.). As personagens olham-se entre si, mas pouco conseguem fazer para gerar sensações em quem assiste ao longa. O espectador olha o filme, esperando por essas sensações, em vão. O diretor olha o roteiro se transformando em filme, na esperança de que o público sinta algo. Há muito olhar para pouca emoção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.