“I COMETE – UM VERÃO NA CÓRSEGA” – Apenas uma ilha belíssima [45 MICSP]
A Córsega é uma ilha linda e I COMETE – UM VERÃO NA CÓRSEGA é um filme apto a representar a proporção da sua beleza. Por outro lado, a obra se propõe enquanto filme, não peça publicitária para turistas. Nesse caso, a deslumbrante estética da ilha se esvazia em um longa que erroneamente se restringiu à mesma estética.
Na Córsega, as pessoas aproveitam o verão, cada uma à sua maneira, das crianças aos idosos. Em meio à bela paisagem, porém, as tensões existem, fazendo com que as pessoas entrem em conflito por variados motivos.
A sinopse do longa é genérica porque “I Comete” não é um filme autenticamente narrativo, tornando-se problemático não por isso, mas pelo modo como se propõe nas suas cansativas duas horas de duração. O diretor (e roteirista) Pascal Tagnati aproveita muito bem as paisagens da ilha (a quarta maior do Mediterrâneo), é um cenário idílico filmado por planos abertos que, desse modo, privilegiam a sua beleza natural. Uma primeira consequência negativa dos planos abertos, contudo, é a distância que acaba existindo entre espectador e personagens, o que dificulta a identificação entre uns e outros tanto no sentido simbólico quanto no literal (salvo, é claro, no caso dos artistas inconfundíveis, como a única idosa e o único negro).
A identificação também é dificultada em razão do número enorme de personagens. Por exemplo, interpretando François-Régis, Jean-Christophe Folly se destaca por ser o único negro do elenco, sendo também a personagem mais pacífica e terna – no segundo caso, em especial com Lucienne (Roselyne de Nobili), sua avó. A interação entre os dois é provavelmente o melhor arco narrativo do filme, representando o claro choque de gerações: ele parece mais confortável em ambientes abertos, como quando pesca com Théo (Pascal Tagnati, o também diretor e roteirista da obra); ela, diversamente, está sempre em cenários fechados e com pouca luz. Enquanto ele afirma que “a burguesia é um estado de espírito”, ela declara que “o dinheiro controla tudo” (e não, segundo ela, a política ou a religião), além de criticar as feministas do Femen.
Percebe-se que os diálogos são extremamente heterogêneos, o que seria bom, não fosse a heterogeneidade em demasia no caso. Cindy (Maryse Miège) se aproxima de Bastien (Cédric Appietto) por serem personagens reduzidas a um conteúdo sexual, seja pela exposição (explícita) de sua masturbação (ela, como cam girl; ele, solitário), seja porque suas falas são restritas a tal conteúdo. A questão é que ambas são exatamente personagens reduzidas, despidas de substância e incapazes de estimular alguma reflexão. Não se sabe quem são eles, apenas que não têm pudores em relação ao prazer – muito pouco para gerar qualquer interesse. O desenvolvimento das personagens é praticamente nulo, como ocorre quando Auguste (Éric Patris de Breuil) desenvolve repentinamente um arco de ira, bastante breve e mal explicado.
O roteiro é composto de fragmentos narrativos, dando uma aparência de deixar escapar seu discurso. É o que ocorre quando as crianças jogam ovos em um veículo com a placa da França, xingando os franceses, para denotar a antipatia dos corsos em relação a eles. As atividades representadas do longa variam muito, tanto inofensivas – festas (jovens adultos), procissão (adultos), canto em grupo (adolescentes) – quanto severas – prática de bullying e desenterro de um cadáver (adolescentes).
Impulsionado por sons diegéticos e lindos cenários, é fácil sentir-se imerso na paradisíaca ilha. Entretanto, “I Comete – um verão na Córsega” está bastante aquém do que se espera de uma obra cinematográfica. Certamente existe algum material ali, ideias concretas e que façam sentido. Tudo, porém, bastante oculto, quiçá implícito e discreto demais. Diálogos esparsos, personagens em grande número e narrativa quebradiça fazem com que a encantadora ilha seja desperdiçada. Duas horas seriam melhor utilizadas vendo fotos ou vídeos do local.
* Filme assistido durante a cobertura da 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.