“HOW TO HAVE SEX” – Contradições sociais, psicológicas e artísticas [25 F. RIO]
É comum pensar que filmes sobre festas serão de comédia em virtude do grande número nesse gênero. “Projeto X“, “Superbad – É hoje“, “American Pie“, “Jovens, loucos e mais rebeldes” e vários outros. Se examinarmos mais atentamente, a comédia não é a única forma de contar essas histórias, pois os dramas também podem ser apoiar nesse estilo. Em “Paraísos artificiais“, a ideia é discutir sobre as escolhas da juventude em um cenário aparentemente adverso; e em “15h17 – Trem para Paris“, o objetivo é trabalhar o imprevisível de um atentado terrorista em meio a viagens por diversão. E HOW TO HAVE SEX transita pelas contradições entre soar como uma obra despretensiosa até entrar em discussões sociais delicadas.
Na trama, três jovens britânicas viajam para Mália, na Grécia, com a intenção de aproveitar as festas e as bebidas do local. Elas estão em uma fase na qual estão à espera da divulgação das notas no colégio para se formarem e planejarem seus futuros. Então, a viagem é entendida como um rito de passagem em que poderão desfrutar dos prazeres da vida, inclusive indo em busca de relações sexuais sem compromisso. No entanto, as experiências que vivenciam podem não ser consensuais como gostariam.
Tara, Skye e Em são três amigas decididas a aproveitar tudo que puderem da viagem à Grécia. Deixando de lado temporariamente as preocupações com a vida escolar, elas se hospedam em um resort para festejarem no verão. A diversão inclui a praia, as festas diurnas na piscina, as festas noturnas na cidade e a confraternização comandada por profissionais do local. O tom cômico impregna os primeiros momentos da narrativa, especialmente por conta da dinâmica entre elas e pela amizade feita com Badger e Paddy, hospedados no apartamento ao lado. A diversão se faz presente ao longo de todo o tempo graças às piadas internas entre as amigas, às danças nas festas, ao consumo de bebidas e às lembranças do dia seguinte. Em meio a uma abordagem descontraída, Tara se revela a protagonista que espera perder a virgindade em um momento prazeroso do qual possa guardar boas lembranças no futuro.
A diretora Molly Manning Walker complementa a sensação de uma narrativa amena através das escolhas formais de uma encenação que também vibra com as férias de verão. A estética é composta por cores intensas, baseadas em uma iluminação natural que depende da luz solar como componente principal ou estilizada que vem com luzes neon nas festas à noite. A vibração vem de uma montagem ágil, desenhada por um ritmo acelerado dos planos que retrata o constante movimento dos personagens nas situações divertidas vividas. No entanto, o filme incorpora em sua natureza a contradição, isto é, a sensação de que pode ter uma proposta e um estilo permanentemente até passar para outra abordagem possível dentro da premissa. E a diretora não faz uma quebra abrupta entre essas duas porções capaz de gerar a impressão de uma mudança incoerente, pois prepara a virada gradualmente a partir da utilização de uma trilha sonora de suspense em cenas que não seriam, necessariamente, tensas.
Possivelmente, a tensão não esteja no centro dramático do primeiro e em parte do segundo ato, porém está à espreita para aparecer a qualquer instante. Isso acontece porque Molly Manning Walker discute até que ponto a liberdade feminina existe na sociedade contemporânea sem estar sob o risco de sofrer agressões sexuais. No ambiente em questão, Tara, Skye e Em estão em contato com festas prolongadas e intensas, drogas, sensualidade, exposição do corpo e sexo. Até que ponto as mulheres podem desfrutar desses elementos sem julgamentos e estereótipos que retirariam delas seu poder de escolha? Fazer um questionamento assim permite à narrativa abraçar uma contradição tanto cinematográfica quanto social. Ao passar da dimensão festiva com uma estética vibrante para a chegada de um momento ameaçador sob uma encenação tensa, a narrativa debate a violência sexual e seus desdobramentos. Como exemplo, a sequência em que Tara desaparece após uma noite de diversão e as amigas não sabem sobre seu paradeiro cria no espectador uma apreensão sobre o que pode ter acontecido a ela.
Os debates sobre a limitação da liberdade feminina sob diferentes formas de violência torna as reflexões sociais apuradas. Quando Tara começa a conviver com Badger e Paddy, a questão da primeira experiência sexual se coloca para ela. Nesse sentido, a diretora explora a linha tênue que separa os eventos em torno da personagem à medida que o tempo passa. O que define consentimento e imposição forçada? Como diferenciar uma aceitação consciente e uma pressão pela permissão? Tais perguntas são invocadas de modo a provocar reações diversas no público, que pode se questionar sobre como irá entender e assimilar o que acontece com a protagonista. Na segunda sequência de violência, não qualquer dúvida a respeito do estupro por conta da construção cênica e da desestabilização do olhar naquele momento. A primeira sequência é a que pode gerar pensamentos complexos, o que faz parte da discussão proposta pela cineasta, por justamente trabalhar em uma “zona cinzenta”, dúbia em torno da efetiva liberdade de escolha em ocasiões em que não se sente confortável nem acolhida.
Outro nível de contradição advém, então, do impacto que a violência causa em Tara. Além das variações de estilo narrativo e de comentário social, o filme também aborda os contrastes da condição emocional da protagonista. Se, inicialmente, ela demonstrava entusiasmo pela viagem com as amigas e a chance de diversão ininterrupta, a postura se altera com o passar do tempo, inclusive, antes das sequências mais incômodas. Há a sensação de que Tara não se sente tão à vontade em um ambiente em que as relações são tão efêmeras e os vínculos carecem de maior solidez. Por isso, o convívio com Paddy se mostra instável, uma conexão sentimental maior ocorre com Badger e a presença da personagem naquele ambiente deixa de ter o mesmo sentido dos primeiros dias. A mudança de comportamento tem ligação direta com o trabalho de composição dramática de Mia McKenna-Bruce, que tem dificuldade de compreender e expressar o que sente até para as colegas próximas. Então, a atriz cria uma performance sutil em que os detalhes, como uma lágrima e um olhar perdido, revelam muitos aspectos de sua trajetória e são captados pelos longos closes da diretora.
“How to have sex” se inicia com um sentimento eufórico de aproveitamento dos prazeres da vida e se desvela como uma experiência crescentemente desconfortável. O incômodo afeta a linguagem da produção, a representação social do tema da violência contra a mulher e o arco dramático de Tara. Ao invés de se encerrar nesse ponto, a diretora busca outra contradição. Como verbalizar a agressão sofrida e buscar apoio? Como dividir tamanho sofrimento até mesmo com quem se tem mais intimidade? A protagonista tem dificuldades para explicitar o que houve com ela, mas não se trata de uma barreira definitiva. O desfecho encontra um respaldo que oferece a personagem algum nível de refúgio, de acolhida em um gesto que opõe ao ato violento.
* Filme assistido durante a cobertura da 25ª edição do Festival do Rio (25th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.