“HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO” – Super-herói maior que seus filmes
Começando pelo principal: salvo pela técnica utilizada – animação -, HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO não apresenta nada inovador entre os filmes de heróis, repetindo tudo o que já foi visto nos filmes anteriores do teioso ou aproveitando o que já foi feito em outras obras de outros super-heróis. Portanto, seu valor artístico reside exclusivamente na animação em si, que tem um design muito bom.
O protagonista do longa não é o Homem-Aranha do Peter Parker – que, contudo, está presente -, mas do adolescente Miles Morales, jovem negro do Brooklyn que também possui as habilidades aracnídeas. Quando eles se encontram, Miles não sabe que está diante do Peter de um universo paralelo – nem que está prestes a conhecer outras versões do multiverso aracnídeo.
O grande acerto da produção reside na sua estética quadrinesca: o campo é eventualmente dividido em quadros, como nas HQs, de modo que, por exemplo, pensamentos aparecem em caixas de texto. Todo o formato é adaptado para simular a tradução da linguagem dos quadrinhos para a cinematográfica no que têm em comum (como uso de split screen, dentre outras ferramentas), de modo que se pode afirmar, sem exagero, que, do ponto de vista visual, o filme é extremamente fiel à nona arte.
Ainda no aspecto imagético, a direção de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman se revela episodicamente ousada, com pouca profundidade de campo (a animação recebe contornos, como se tivesse camadas), uma aparência bastante estilizada (como nos créditos iniciais) e alguns planos-sequência bem escolhidos (como quando Miles chega à sua escola). Não se pode dizer, porém, que o design de produção é infalível: no desfecho, o excesso de cores causa poluição visual, similar à pirotecnia que outros filmes de heróis fazem.
Entretanto, o roteiro de Rothman (que, como dito, assina a direção) e Phil Lord é um descalabro, enganando apenas o espectador desavisado, como se houvesse algum ineditismo. Não: “Homem-Aranha no aranhaverso” é reciclagem do que já foi visto.
Miles tem um pai carinhoso e presente, mas não se dá bem com ele porque ele abandonou a grafitagem quando se tornou policial. Nesse caso, há um equívoco conceitual gravíssimo: grafite não se confunde com pichação, o primeiro é arte, o segundo, crime. Logo, não haveria óbice algum para que o pai de Miles continuasse sendo grafiteiro, salvo se o que eles faziam era pichação, caso em que, no mínimo, ele dava mau exemplo como pai.
O garoto não tem o tio Ben, mas tem o tio Aaron: como o alter ego do Homem-Aranha é mais novo e descolado (quando comparado ao Peter Parker), assim o é o seu tio, que não apenas compartilha a paixão pela grafitagem, mas também o aconselha no campo do flerte. Evitando spoilers, basta dizer que há muito comum entre tio Aaron e tio Ben, para além da representação da figura paterna.
É interessante que o script faça autorreferências jocosas (como na menção à “dancinha” de Peter no terceiro filme) e há um ar nostálgico na revisitação de momentos importantes da saga (como o beijo entre o Homem-Aranha e Mary Jane). No entanto, a repetição disso se torna cansativa e perde a graça rapidamente. Por exemplo, o potencial vexatório dos poderes já foi visto, trata-se de uma piada reiterada. E são diversas as repetições: a crush que trabalha no laboratório do vilão, um antagonismo de uma pessoa próxima, uma morte dolorosa etc. Isso sem contar a cópia de elementos de outros super-heróis, afinal, qualquer um pode ser o Batman (ou o Homem-Aranha).
Algumas cenas não são minimamente críveis, mesmo considerando o universo fantasioso – o momento “vergonha alheia” causado pelo pai de Miles é exagerado, sem graça e bem inverossímil. As piadas são, normalmente, bastante infantis (aliás, piada com capa já existe em “Os incríveis”), ou simplesmente sem graça (o humor do Homem-Aranha noir fascinado pelo cubo mágico consiste apenas no fato de que Nicolas Cage, que dubla a personagem, tem aqui o auge da sua carreira pelos últimos anos). Como não poderia deixar de faltar em um texto de má qualidade, há coincidências típicas de um roteiro preguiçoso (é acidentalmente risível o contexto do primeiro encontro de Miles com o Homem-Aranha, tamanha a displicência dos roteiristas ao criá-lo).
Nem mesmo o multiverso, premissa do plot, é novidade, pois já é explorada na série “The Flash” – com uma explicação bem mais consistente, inclusive. A única novidade seria a relação entre Peter e Miles, que, previsivelmente, se torna uma mentoria. Porém, o twist de Peter é brusco e questionável, tornando-se, para dizer o mínimo, pouquíssimo verossímil.
A despeito de tudo isso, “Homem-Aranha no aranhaverso” será imensamente elogiado. O problema é que a razão dos elogios não será as virtudes estéticas do filme, mas o protagonismo de um super-herói carismático e adorado por multidões. Não custa lembrar que, quando foi lançado, até “Homem-Aranha 3” foi exaltado (inclusive por muitos críticos). Ou seja, o super-herói é maior que seus filmes (o que se constata desde 2007, quando lançado o terceiro).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.