“HOMEM-ARANHA: LONGE DE CASA” – Coragem fictícia
* Clique aqui para ler a crítica de “Homem-Aranha: de volta ao lar”, de 2017.
Se o critério para avaliar a qualidade de HOMEM-ARANHA: LONGE DE CASA for a inovação, o filme decepciona em qualquer ótica – seja no gênero dos filmes de heróis, seja em comparação com os outros longas do “teioso”. Não obstante, mais do mesmo, porém bem feito, pode representar um trabalho, no mínimo, razoável.
Depois dos eventos de “Vingadores: ultimato” (cuja crítica pode ser lida clicando aqui), a humanidade ainda repercute a ausência de Tony Stark e dos outros heróis, deixando Peter preocupado com a própria responsabilidade. O jovem se empolga quando viaja para uma excursão na Europa com os colegas da escola, contudo as desejadas férias como Homem-Aranha são preenchidas por Nick Fury, que o convoca para lutar ao lado de um novo super-herói – Mysterio, vindo de uma dimensão alternativa – contra uma nova ameaça.
Não há criatividade ou ousadia no roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers, ao menos no que se refere ao arco dramático de Peter. As duas cenas pós-créditos poderão representar um avanço no Universo Cinematográfico Marvel (MCU), mas esse avanço não existe na narrativa do jovem. O primeiro ato e boa parte do segundo são de romance, com ação reduzida – é uma comédia adolescente sobre as paixões adolescentes. Dessa vez, Peter está apaixonado por MJ, sem a explicação de como esse interesse surgiu (já que ela existia antes e não chamava a atenção nesse sentido).
Entretanto, talvez tenha sido melhor poupar o público dessa explicação, já que todos os esclarecimentos são fornecidos da maneira mais preguiçosa possível, em especial no que se refere à diferença de idade entre os que foram exterminados no estalo de Thanos e os que permaneceram e na cena em que o vilão expõe a sua motivação – aliás, o antagonista é um pouco insosso quando comparado ao Abutre.
Não fosse o bom elenco – nomes como Samuel L. Jackson (Nick Fury repetindo a função de mentor antes exercida pelo Homem de Ferro, porém com maior rigidez), Jake Gyllenhaal (que parece se divertir como Mysterio), Marisa Tomei (novamente desperdiçada, agora com uma subtrama que poderia e deveria ser problematizada, o que não ocorre) e, claro, o ótimo Tom Holland (o rapaz é bom ator como Peter e como Homem-Aranha, vai bem no drama e na comédia e seu carisma é inegável) -, o filme seria ainda mais desinteressante.
De maneira mais precisa, é o carisma de Holland e do próprio super-herói interpretado por ele (um dos mais populares) que sustentam a película. O resto é reciclagem barata do que já deu certo antes: o humor (que nem sempre funciona), o interesse afetivo (a MJ de Zendaya pode ser engraçada em razão das suas esquisitices, mas é apática) e até mesmo o conflito do protagonista. O desafio do herói pode ser novo, contudo o que ele mesmo traz para seu arco narrativo, nomeadamente o impasse afetivo e a insegurança sobre si mesmo, são fatores nada novos.
Tendo dirigido o primeiro, Jon Watts repete a função no segundo filme-solo do Homem-Aranha, bastante engajado no MCU, dessa vez um pouco mais arrojado em cenas pontuais (por exemplo, uma elipse rápida em que um simples movimento de câmera e a voz de Nick Fury tiram Peter de um lugar e o colocam em outro, além de um movimento de câmera em que o Homem-Aranha sobrevoa uma das ameaças). Por outro lado, o VFX deixa a desejar, sobretudo em razão de um CGI excessivamente artificial, parecendo um jogo de computador em alguns momentos. A estética de algumas lutas é bem pensada e agradável, todavia imageticamente falsa – e nem se argumente que isso foi proposital, em razão da maneira como o vilão luta, pois há um evidente excesso.
O simples fato de o Homem-Aranha receber o oitavo filme-solo (trilogia Sam Raimi, duologia com Andrew Garfield, primeiro com Tom Holland e Aranhaverso) é representação eloquente da sua popularidade. O que não percebem os estúdios, entretanto, é que justamente em razão da popularidade do super-herói é que haveria margem para ousadia. Nesse ponto de vista, a coragem fica apenas na ficção.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.