“HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR” – De volta à qualidade
Entre 2002 e 2014, Homem-Aranha teve cinco filmes, um reboot e dois atores interpretando o personagem. Não é pouco para um intervalo de doze anos, quando os super-heróis ainda não eram a mania que se tornaram hoje e o aracnídeo oscilava entre o frustrante desfecho da trilogia de Sam Raimi e os irregulares filmes de Marc Webb. Após passar pela Sony e pelos intérpretes Tobey Maguire e Andrew Garfield, o amigo da vizinhança encontrou seu lugar de triunfo na Marvel, na atuação de Tom Holland e na sua inserção divertida no universo Vingadores com HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR.
A primeira incursão solo do herói no novo estúdio começa após os eventos de “Capitão América: Guerra Civil“. Depois de ter lutado ao lado dos Vingadores, Peter Parker volta à sua vida comum no Queens combatendo pequenos crimes nas redondezas e se sentindo decepcionado por ficar de fora de alguma grande missão. A situação parece mudar de figura quando surge o vendedor de armas Abutre, uma ameaça que logo se transforma em um duro antagonista para o protagonista.
O acordo entre Sony e Marvel Studios fez muito bem ao herói, que pode ser levado para outras direções diferentes daquelas já repetidas em muitas ocasiões. Os primeiros minutos do personagem são sintomáticos da escolha por não construir novamente uma história de origem (deixando de lado situações batidas, como a picada de uma aranha radioativa e a morte de Tio Ben), mas colocá-lo no universo de Homem de Ferro, Capitão América e companhia – Tony Stark aparece esporadicamente no filme para servir de mentor para um Peter Parker de quinze anos, Steve Rogers é citado comicamente como guia moral dos estudantes no colégio e o Acordo de Sokovia se torna conteúdo das aulas. A referida sequência inicial também se mostra produtiva para estabelecer o carisma do protagonista e a relação da produção com “Guerra Civil“: filmada pelo ponto de vista da câmera do celular do garoto, é possível ver sua empolgação em ser chamado para participar do conflito entre os heróis, enquanto os acontecimentos são exibidos por outra perspectiva.
Quebrando as expectativas do que viria a seguir, Peter Parker é levado de volta ao Queens por Tony Stark com a advertência de que não deveria se envolver em grandes riscos. Mesmo tentando se comunicar constantemente com Happy, resta ao Homem-Aranha apenas cuidar da vizinhança em vários momentos comuns apresentados por uma montagem ágil e bem humorada: indicar o caminho para uma senhora perdida, evitar um roubo de carro ou simplesmente aguardar algo mais perigoso acontecer. É interessante perceber como a imagem do herói das situações cotidianas cria, simultaneamente, um conflito para o personagem e soluções visuais cômicas: ele se sente excluído com as determinações de Tony Stark para que mantenha os pés no chão e enfrenta a incomum dificuldade de saltar com suas teias por uma área suburbana sem prédios elevados.
A mudança de casa também beneficiou o personagem tanto na versão heroica quanto na versão cidadão comum. Se havia problemas na caracterização dessas facetas nos filmes anteriores, nesse o equilíbrio dado por Tom Holland é maior: o Homem-Aranha aparece como o herói preocupado com a vizinhança, provocativo com suas piadas durante o enfrentamento dos vilões e instável no controle dos apetrechos tecnológicos feitos por Tony Stark para o novo uniforme; já Peter Parker é o típico garoto de quinze anos carismático ao seu modo, nerd e inseguro com as meninas, que se sai bem quando o assunto é física, mas não quando precisa demonstrar a paixão por uma colega de escola. Ao seu redor, estão o amigo Ned, bom alívio cômico (a referência ao “homem na cadeira” funciona muito bem) e companheiro do protagonista (ao compartilharem, por exemplo, o gosto por física e pela cultura pop); e a Tia May, um desperdício para Marisa Tomei, que se torna apenas alvo de piadas por conta da beleza.
Outro acerto da Marvel, até então pouco comum, foi o vilão Abutre, capaz de se diferenciar dos muitos antagonistas simplórios e esquecíveis do estúdio por conta de seu desenvolvimento dramático. A sequência de abertura voltada para ele começa mostrando que sua origem esteve associada a uma consequência do universo Vingadores: o descarte de uma equipe de coleta de resíduos de tecnologia alienígena por uma grande empresa ligada a Stark. A partir desse incidente, o personagem ganha um peso realista por se sentir um homem comum marginalizado pelos poderosos, que encontra no tráfico de armas um meio para sustentar sua família. A ambiguidade das boas intenções deturpadas pelos meios criminosos escolhidos é visualmente representado na cena no carro com Peter Parker, quando a luz vermelha de um semáforo recobre o rosto do homem.
Conduzindo toda a narrativa está o trabalho regular de Jon Watts, diretor que sabe utilizar os efeitos visuais, especialmente aqueles provenientes dos novos trajes e utensílios do aracnídeo (apesar de o excesso de tecnologia ser um ponto contrário para o filme que descaracteriza a essência do super-herói) e filmar a maioria das sequências de ação. As set pieces podem não ter o mesmo impacto daquelas presentes nos filmes de Sam Raimi, mas cumprem seu valor emocional ou de entretenimento dentro da jornada de heroísmo do personagem (à exceção da escuridão ininteligível da última sequência de ação). Ainda que exista derrapagens no percurso, “Homem-Aranha: de volta ao lar” resgata o herói de tempos difíceis no passado e o coloca no sentido da qualidade cinematográfica sob os versos do Ramones (“Hey, ho! Let’s go“).
Um resultado de todos os filmes que já viu.