“HISTÓRIAS QUE É MELHOR NÃO CONTAR” – Antologia monocórdica
Os filmes de antologia costumam sofrer de um perigo recorrente: dividir a narrativa em pequenas histórias e deixá-las irregulares com algumas mais inspiradas do que outras. Em geral, todas se conectam por um laço temático embora tenham particularidades estéticas. Na recepção, as conversas do público podem ser sobre o conto favorito ou a irregularidade comum desse tipo de obra. HISTÓRIAS QUE É MELHOR NÃO CONTAR subverte, às avessas, o risco citado, pois se apoia no mesmo tom anticlimático para enfraquecer a narrativa.
Ao longo de cinco histórias, o tema de emoções e situações que tentamos ocultar é trabalhado. Encontros inesperados, decisões absurdas e segredos delicados aparecem em conflitos rotineiros. A atração física de um casal de vizinhos os coloca em um momento embaraçoso, um homem recém-divorciado é influenciado por amigos a buscar uma nova relação, três amigas atrizes lidam com mentiras entre elas em uma audição, um casal com grande diferença de idade tem desejos opostos para o relacionamento e um homem se preocupa com a postura estranha da namorada ao descobrir um segredo.
De forma geral, o diretor Cesc Gay aborda os relacionamentos como questão central de todos os contos. Podem ser relações amorosas ou de amizade, mas nos cinco casos os personagens estão em conflito por conta do que poderiam ou não fazer em interações do dia a dia. Além disso, elementos secundários se somam à discussão principal, como o amor entre de faixas etárias diversas, a fluidez de identidades de gênero e a capacidade de invenção de atores até fora de seu ofício. No entanto, nenhum dos tópicos é explorado a fundo nem sequer por alguns minutos e se reduz somente a rápidas menções do roteiro sem valor para os embates em cena. A sensação, então, é a de que o humor situacional é privilegiado em detrimento de uma profundidade temática.
Cesc Gay poderia priorizar os estímulos imediatos da comédia não fossem as dificuldades de construir a dramaturgia. Os problemas se iniciam na elaboração da premissa da piada ou do conflito, ainda que os pontos de partida de cada história sejam seu maior mérito. Na primeira, uma série de escolhas ruins faz parecer que Laura esconde o “amante” Alex no apartamento. Na segunda, Carlos se surpreende com a revelação de quem seria Sandra, interesse amoroso de seu amigo Luis na noite espanhola. Na terceira, Blanca, Carol e Ángela são amigas atrizes que criam mentiras para não admitirem os problemas que têm. Na quarta, Andrés se ressente da descoberta de que ele tem expectativas distintas para sua relação com uma jovem namorada. E na última, Raúl precisa da ajuda de um amigo para decidir o que fazer quando descobre que a noiva sabe de uma traição dele.
No início dos núcleos, a premissa é estabelecida a partir de incidentes que atraem a curiosidade. No decorrer de cada trama, os eventos não são dramatizados a ponto de dar a eles um carga conflituosa ou um contraste entre elementos concorrentes. Na verdade, tudo parece simplificado, superficial e pobre em desdobramentos. Nem mesmo a comédia propicia efeitos atraentes, incapaz de ser dramática, de costumes ou exagerada, possibilidades compatíveis com as dinâmicas dos personagens. Quando o humor se aproxima do clímax e prepara o punch line para concluir o conflito, aparecem os mesmos padrões desinteressantes. A narrativa busca uma reviravolta que surpreenda e mude os rumos da história, mas a conclusão é sempre anticlimática e decepcionante. A cada novo conto, cresce a certeza de que não há qualquer boa ideia para o encerramento e ele simplesmente termina após uma cena banal.
Os núcleos também são entediantes do ponto de vista formal. O cineasta depende da verborragia do texto, da sucessão contínua de diálogos para situar, desenvolver e fechar a trama. Enquanto isso, a decupagem se limita a enquadrar os atores e as ações do modo mais convencional e inexpressivo possível. Os planos médios, a montagem transparente, a iluminação naturalista e as transições simples a partir do olhar do personagem deixa tudo muito preguiçoso. A única história que utiliza um pouco mais os recursos linguísticos do cinema é a primeira, graças à trilha sonora que busca acordes cômicos e enquadramentos pontuais nas reações de uma cadela durante o crescimento do problema narrativo. Porém, não são tão especiais nem capazes de ressaltar a ansiedade desesperada de Alex e Laura.
“Histórias que é melhor não contar” se esforça para ser sempre leve, simpático e agradável. Esse esforço é tão grande que todas as escolhas que poderiam desagradar alguém são dispensadas em nome de um conjunto final inofensivo e artificial que jogue o tempo todo em território seguro. Na prática, a comédia se esvazia porque o espectador vê mais do mesmo ao longo de uma hora e trinta e sete minutos: uma boa premissa desenvolvida sem atrativos estéticos, reviravoltas desperdiçadas por uma dramaturgia muito pobre e conclusões típicas de quem não sabe como terminar a história ou quer sabotar seu próprio trabalho. Na trama de Raúl e de sua noiva, eles repetem com alguma frequência a frase que dá título ao filme. Seria mais uma tentativa de fazer humor? O reforço do tema principal? Ou uma referência involuntária a si mesmo e ao pouco que tem a contar?
Um resultado de todos os filmes que já viu.