“GOLPE DE MESTRE” (1973) – O mais esperto sempre vence
Dentre os filmes sobre trapaças e trapaceiros, GOLPE DE MESTRE, de 1973, é um clássico obrigatório. Com uma direção de mão pesada e um roteiro muito engenhoso, além das atuações de alto nível, o filme é uma grande influência para as obras que abordam o assunto, como “Onze homens e um segredo” (uma grande armação para um golpe), de 2001 (mesmo sendo um remake, a influência existe), e “Prenda-me se for capaz” (o golpista Frank foge de Carl como Hooker foge de Snyder). A lição, com certo tom cômico, costuma ser a mesma: em um mundo de vigaristas, quem se dá melhor é o mais esperto.
Na Illinois de 1936, Johnny Hooker está acostumado a praticar pequenos golpes com seus parceiros. A situação muda quando a vítima é um capanga de Doyle Lonnegan, um perigoso gângster, e a quantia embolsada é alta. Para se safar, Hooker segue o conselho de Luther, seu mentor, e se alia a Henry Gondorff, um golpista experiente. O plano dos dois é nada menos que enganar Lonnegan mais uma vez e ganhar valores ainda maiores.
O diretor George Roy Hill não se furta de empregar ferramentas variadas, não se trata de uma direção minimalista. Entre travellings (nos minutos iniciais, logo após os créditos), zoom in (nas luvas de couro) e planos-detalhe (a roleta viciada, quando Hooker aposta na companhia de Crystal), há uma requintada mise en scène, bem exemplificada pela cena em que o grupo capitaneado por Gondorff conversa sobre o esquema contra Lonnegan. O cineasta usa a montagem paralela para dividir as atenções com o suspense que ocorre fora do quarto (enquanto eles conversam, Billie é abordada por Snyder); dentro, são inúmeros os elementos a partir de diálogos (as informações trocadas) e da própria composição (bebida e cigarros, jogo de cartas, o posicionamento dando destaque a Gondorff e deixando Hooker mais para trás).
Existe um quê de humor no filme; não o humor que arranca gargalhadas, mas aquele da sagacidade inerente ao contexto das trapaças. Isso ocorre em momentos mais breves e menos significativos, como quando Hooker vai ao salão, ou naqueles que são um respiro face à tensão instaurada, como quando o protagonista escapa de Snyder na estação de trem. A trilha musical de Marvin Hamlisch impulsiona a leveza da trama nos momentos certos, isto é, quando Roy Hill se utiliza da descontração, saindo um pouco da complexa arquitetura do golpe, a trilha serve de embalo impecável tanto pelo estilo da época quanto pelo ritmo coerente – a começar pela principal, “The entertainer”. Estilo e ritmo, por sinal, são dominados com destreza pelo diretor, o que se verifica, por exemplo, pela montagem e pela cena do pôquer. No primeiro caso, não há apenas cortes de continuidade, mas também cortes de compilação; aqueles são usados dentro dos capítulos, estes, na divisão capitular, costurando a narrativa com uma progressão que faz com que o espectador crie expectativas para o grand finale (que é, de fato, grandioso). Além disso, o uso de gravuras reforça o estilo particular da direção. No segundo caso, a cena é central, uma vez que determinante na progressão narrativa (se algo dá errado, tudo precisa mudar), criando uma atmosfera de suspense sufocante (o que Lonnegan fará depois de segurar a garrafa de bebida? Quais são as cartas nas mãos de cada um, mostradas vagarosamente?).
Em alguma medida, todas as personagens são vigaristas – e o fato de o elenco ser ótimo é fundamental. Robert Redford tem em Hooker um protagonista cujo arco narrativo de aprendizagem é bastante claro, pois ele começa como um indivíduo impulsivo (esbanja e aposta valores altos quando ganha) e se transforma em alguém capaz de compreender como funciona o mundo dos golpes. O responsável por isso é o calejado Gondorff, interpretado de maneira excelente por Paul Newman. A química entre os dois é muito boa, dado que, no início, saem faíscas da relação entre as personagens – sobretudo no embate entre a experiência desta e a subestimação daquela -, mas a transformação é orgânica, com um vínculo de amizade constantemente dúbio (afinal, eles são vigaristas, então a confiança nem sempre é moeda de troca). Suas motivações são distintas; o fim de seus atos, idêntico.
O roteiro de David S. Ward é dinâmico, repleto de plot twist e eficaz ao demonstrar o poder dos estratagemas e da jogatina naquele universo, poder este capaz de tornar irracional o tarimbado Lonnegan (Robert Shaw). É fascinante o modo como o texto cria papéis dentro de papéis (os disfarces de Hooker e Gondorff), o que é aproveitado pelas atuações que enfatizam o não-verbal (o sorriso de Lonnegan para Hooker após ganhar uma aposta), e, sobretudo, a maneira como são utilizadas diversas engrenagens para tudo transcorrer. Não basta a encenação (barba falsa, água na bebida, disfarces), o esquema precisa ter proporções grandes e um deslize pode ter consequências trágicas. Não bastam as várias engrenagens, nem que elas se ajustem, pois fatores aleatórios são capazes de fazer a diferença (a garçonete e mesmo Snyder). O filme é complexo e surpreendente, mas sua complexidade não o torna chato ou ininteligível, pelo contrário, faz com que seja cada vez mais instigante. Mas a lição já é bem conhecida: no ramo dos golpes, que funcionam como jogos, vence quem é mais esperto. A questão que faz toda a diferença é como vencer.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.