“GODZILLA VS. KONG” – Apavorante, mas não no bom sentido
O problema da imensa maioria dos filmes hollywoodianos envolvendo kaijus é que não sabem lidar com as três dimensões da proposta – a dos kaijus, a dos humanos e a do relacionamento entre os dois. Provavelmente o último filme verdadeiramente eficaz nesse quesito foi “King Kong”, de 2005. Em 2014, foi lançado “Godzilla”, tendo como escopo chegar a GODZILLA VS. KONG, em 2021. No interregno, houve “Kong: a Ilha da Caveira”, de 2017, e “Godzilla II: rei dos monstros”, de 2019 (clique aqui para ler a nossa crítica). O Monsterverse alcançou seu primeiro grande objetivo, mas deixou muito a desejar, para dizer o mínimo.
De um lado, a Monarch estuda os Titãs para descobrir a sua origem, de outro, há quem queira acabar com todas as criaturas, pois todas seriam potencialmente perigosas para a humanidade. Se os rivais Godzilla e King Kong se encontrarem, um deles irá sucumbir. No meio dessas dualidades, pode surgir um inimigo ainda mais poderoso.
Talvez a história original de Terry Rossio, Michael Dougherty e Zach Shields não fosse ruim, mas o roteiro de Eric Pearson e Max Borenstein certamente o é. A forma como a rivalidade entre Godzilla e King Kong é encarada não é completamente equivocada (ainda que esse retrospecto exista apenas em relação ao primeiro): para quem quer ver luta entre kaijus, colocá-los como combatentes dentro de uma espécie de campeonato (o que fica evidente no fim dos créditos, com chaveamento como de uma competição esportiva) é uma ideia coerente. Entretanto, há um excesso de personagens humanos e subplots dispensáveis que acabam aumentando o que os filmes anteriores têm de pior.
Não que os humanos devessem ser extirpados desse tipo de filme, pelo contrário, eles são essenciais para seu funcionamento. Trata-se de uma questão de dosagem, isto é, o desenvolvimento das personagens deve ser minimalista, privilegiando os monstros – afinal, são eles as estrelas. Kyle Chandler tem um papel absolutamente nulo e que poderia ser vivido por um cone sem prejuízo algum. Brian Tyree Henry divide com Millie Bobby Brown e Julian Dennison um arco narrativo irritante. Os três patetas têm uma única função, que surge convenientemente (e sem uma fração mínima de verossimilhança) ao final – antes, porém, eles ganham tempo de tela para não fazer absolutamente nada, salvo, talvez, caminhar por diversos locais do globo (literalmente) para onde o nariz aponta (literalmente). São eles que desvelam uma conspiração, mas por um custo altíssimo.
Ainda insatisfeitos, os roteiristas preenchem o espaço (nada vazio) com clichês: o cientista usado como instrumento para uma grande empresa (Alexander Skarsgård, colocando mais um título qualquer no currículo), a intermediária ambiciosa de destino óbvio (Eiza González) e o vilão humano estereotipado (Demián Bichir). Tudo isso é uma reciclagem ruim de filmes de kaijus, sem nenhuma inovação nem consistência. Não raras vezes, as personagens são contraditórias ao extremo: Ilene (Rebecca Hall) quer parecer uma mãe responsável ao não querer que Jia (Kaylee Hottle) seja usada para manipular o gorila gigante, porém essa responsabilidade passa longe quando ela permite que a filha se comunique com ele. O mero fato de levá-la para uma missão é inconcebível mesmo se considerada a fantasia que o longa envolve.
Nem ao menos na estética o diretor Adam Wingard honra a grandiosidade dos Titãs – embora seu filme efetivamente os mostre, o que nem sempre ocorre nos similares. Imageticamente, a produção não tem beleza e é confusa. Camuflados com um excesso de flare estão efeitos visuais muito aquém dos desejáveis, parecendo mais um jogo de videogame do que um filme em live action. Paradoxalmente, a tecnologia usada pelas personagens extrapola bastante a que existe hoje (e não há indícios de que a trama é futurista), o que entra em choque quando, por exemplo, a pele de Kong parece feita de plástico e as escamas de Godzilla, de borracha. O texto é definitivamente frágil (as naves param de funcionar, voltando magicamente segundos depois, o humor é insosso e a pseudociência é tão ruim que não consegue sequer divertir pela estupidez), mas é difícil afirmar se é tão ruim quanto (ou pior que) a direção. Para alguém cuja carreira é pautada no gênero terror, Wingard tem em “Godzilla vs. Kong” algo mais apavorante que os anteriores do currículo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.