“GODZILLA E KONG: O NOVO IMPÉRIO” – Rawwwr, dooom etc.
Rawwwr. Dooom. Zzzzzzshhhh. Fleeww. Boom. Fiil. Vraaau. Haaaahuu. Ruoooow. E muito mais rawwwr. Eis uma síntese de GODZILLA E KONG: O NOVO IMPÉRIO. No quinto filme do seu Monsterverse, a Legendary conseguiu uma proeza: superar, em alto grau, o que havia de negativo nas quatro produções anteriores.
Tudo está bem enquanto Godzilla acaba com monstros em seu território, a superfície, e King Kong reina, solitário, na Terra Oca. A mudança ocorre quando Kong descobre não ser o único de sua espécie, precisando enfrentar um inimigo que talvez seja mais poderoso que ele. Para o embate, a solução que encontra é provocar Godzilla para uma aliança ocasional.
Os erros do longa não residem no roteiro, escrito por Terry Rossio, Simon Barrett e Jeremy Slater a partir da história idealizada por Rossio, Barrett e Adam Wingard, que o dirige. As limitações – usando de um eufemismo – do texto são notórias, seja pela narrativa paupérrima, pelas personagens desinteressantes, pelo teor demasiado expositivo ou mesmo pelas soluções risíveis (a maneira desavergonhada com que o Projeto Potência é apresentado se torna mais engraçada que o alívio cômico, cuja graça inexiste a despeito de seu bom intérprete, Brian Tyree Henry). O que é grave é o modo dissimulado com que o roteiro finge ter profundidade, como nas falas emblemáticas iniciais (“sobre o que mais estávamos errados?”) e no subplot de Jia (Kaylee Hottle), sobre pertencimento, que é mal desenvolvido.
Os humanos do “novo império” são tratados como descartáveis: a dra. Andrews (Rebecca Hall) tem um subplot sobre maternidade que não sai do óbvio; o Caçador (Dan Stevens) é um veterinário assumido pelo roteiro como um “Ace Ventura hippie pirado”, o que seria engraçado se a personagem saísse disso (quem teve a ideia de péssimo gosto da camisa moda praia?). O Caçador é o responsável, inclusive, por parcela da trilha musical se apropriar de um estilo James Gunn (vide a franquia “Guardiões da Galáxia”) extremamente mal utilizado, com rock que destoa por completo da atmosfera criada, minando o próprio contexto das cenas. Os únicos momentos em que a narrativa protagonizada pelos humanos se salva são aqueles em que inexistem efeitos visuais (sobretudo nos cenários práticos da subtrama à Indiana Jones); quando o VFX é adicionado, a falta de textura e a aparência genérica tiram qualquer brilho.
A narrativa de Godzilla ocupa um espaço desnecessário, existindo apenas para justificar seu novo visual (rosado) e, claro, vender mais bonecos com o novo look. Por outro lado, é preciso reconhecer que a narrativa que segue Kong não é de todo ruim. Simplória e sem charme, é verdade, além de bastante clichê (a relação dele com o Minikong não poderia ser mais previsível), porém há dois acertos. O primeiro reside na concepção imagética dos primatas, que lhes atribui personalidade com foco em seus expressivos olhares. O segundo está no espaço que lhes é dado, conseguindo conduzir um mínimo de trama sem diálogos (diante da pobreza do roteiro, a ausência de diálogos, quando ocorre, é positiva). Tudo isso se esvai, contudo, quando se recorda de expressões como “telepatia alienígena” ou da banalização dos monstros. Se considerada a origem dos kaijus, o Monsterverse derrete por completo a inteligência de “Godzilla” (1954) e seu simbolismo (infinitamente mais complexo que o do filme de Wingard), ou mesmo a elegância do uso cirúrgico (e graficamente impecável) de um titã, como visto em “Godzilla minus one”.
Como já havia acontecido em “Godzilla vs. Kong”, Wingard elabora uma obra esteticamente ruim. Seu filme é nada menos que caótico: a ação é constante, sem tempo de respiro; tudo acontece “no olho do furacão”, sem pretextos, o que prejudica o timing necessário de cada cena (como no rompimento emocional brusco da cena em que Kong encontra o Minikong). No aspecto gráfico, tudo é poluído, e a aceleração excessiva da montagem – aliada às intensas movimentações de câmera e eventuais planos fechados (sobretudo no clímax) – prejudica fortemente a visibilidade das cenas. Ou seja, a ação se torna inócua, pois a visibilidade dos confrontos é perturbada pela terrível mise en scène. O mesmo ocorre no som, pois o filme é deveras barulhento. Na verdade, a confusão está em todas as esferas, pois o ritmo acelerado e a narrativa fragmentada (cada subtrama tem seu estilo e ensejaria um filme independente do outro) obstam a apreciação do longa. Todavia, se o que importa for o “rawwwr” e o “dooom”, como a própria produção sugere, o resultado é pateticamente satisfatório.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.