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“GLADIADOR II” – Ecoar

Se for verdade que “o que fazemos em vida ecoa pela eternidade”, o que Ridley Scott fez em vida com “Gladiador”, em 2000, ecoou em menos de um quarto de século, mais precisamente em 2024, com GLADIADOR II. Evidentemente, o longa de 2000 exerceu influência em diversas outras obras, mas com seu realizador original recebeu uma reciclagem tímida mesmo sendo um épico.

Depois de ter seu lar conquistado pelos tirânicos imperadores Geta e Caracalla, Hanno pretende se vingar do general romano a quem atribui a morte de sua esposa em batalha, Acacius. Para isso, ele precisará enfrentar adversários no Coliseu e confrontar seu passado, uma trajetória que talvez possa fazer com que Roma se torne aquela sonhada por Marcus Aurelius.

(© Paramount / Divulgação)

O cinema de Ridley Scott é marcado pelo objetivo de entretenimento sem maiores pretensões. Ao mesmo tempo em que entregou clássicos como “Alien, o oitavo passageiro” e “Thelma & Louise” (filme que demonstra que sua obra não se reduz ao pretérito nem ao futuro), Scott dirigiu filmes sofríveis como “Robin Hood” e “Alien: Covenant”. De todo modo, os filmes com a sua assinatura geralmente são superproduções grandiosas (às vezes de maneira desproporcional) e “Gladiador II” não é exceção.

Scott tem ideias muito boas para traduzir essa grandiosidade, indo além das batalhas épicas (exemplo disso é a cena dos tubarões). Nem sempre, todavia, elas são bem executadas; algumas vezes o CGI ruim afeta a sensação de realidade (o mesmo exemplo serve aqui). As lutas são sempre sangrentas, valorizando o impacto de cada golpe. Contudo, algumas vezes são poluídas, ora no aspecto sonoro, ora no visual: na primeira batalha, a equivocada mixagem de som não permite ao espectador discernir os ruídos intradiegéticos da trilha musical; na última cena no Coliseu, o caos se instaura não em virtude da narrativa, mas graças à péssima montagem de Claire Simpson (parceira de Scott em outras obras, também prejudicando “O último duelo” nessa área) e Sam Restivo. Vez ou outra, o cineasta arrisca algo diferente, como na animação em estilo aquarela nos créditos iniciais, mas é algo muito pontual e insignificante.

O que o diretor pretende, na verdade, é continuar o filme anterior através de uma reciclagem do que foi feito (e obteve sucesso, o que significa que a fórmula está pronta). Aliás, ele não é sutil em nada, nem mesmo nesse reaproveitamento. A trilha musical repete ritmos e composições do anterior, mesmo alguns frames parecem repetidos (os civis descem as escadas para ver a arena mais de perto quase como um flashback). O roteiro de David Scarpa, assim, não é exceção. Ironicamente, o espelhamento surge de maneira dupla: ao invés de um general gladiador, surge um general insosso e extremamente raso vivido por Pedro Pascal, e um gladiador protocolar interpretado por Paul Mescal. O primeiro incorpora os valores de Maximus (papel de Russell Crowe no filme de 2000) e goza do mesmo prestígio junto ao povo e ao exército; o segundo, também como Maximus, é feliz em uma vida tranquila no campo junto à família, demonstra uma habilidade inata para liderar (e lutar, e discursar) e encontra na vingança um motor motivacional (ao menos até certo ponto). A duplicidade da repetição ocorre também com o imperador tresloucado e vil, pois agora são dois. Certamente a maquiagem desnecessariamente exagerada atrapalha (sendo irrelevante se historicamente fidedigna ou não), mas a interpretação caricata de Fred Hechinger no papel de Caracalla é risível (Joseph Quinn, como Geta, é mais discreto e talvez funcionasse sozinho, sendo mais uma vez irrelevante a fidelidade à História em se tratando de uma ficção em um épico de ação).

A grande novidade do longa fica com Macrinus, papel de Denzel Washington que, sem surpreender ninguém, é tranquilamente o melhor do elenco. Talvez Scarpa tenha elaborado o script pensando em duplicar o protagonista e o antagonista do primeiro filme, se empenhando em criar apenas e tão somente uma personagem interessante. Sagaz, culto e feroz, Macrinus é aquele que sorri de maneira sádica quando vê em Hanno um ganho potencial e que tem a sabedoria de manter uma reverência dissimulada perante os imperadores que claramente quer manipular de alguma forma. Sem Macrinus, a trama seria completamente desinteressante, ainda que seja ele o protagonista de uma cena que exige enorme suspensão da descrença (algo nada incomum no filme).

O senso de continuidade de Scott implica uma coerência inatacável, havendo um elo de sucessão sem contradições. Porém, não há originalidade. O estilo teatral e o plot novelesco de vingança, conspiração, traição e ambição em meio a uma Roma decadente é aquilo que já foi visto em “Gladiador”. A diferença talvez seja que aqui as proporções são maiores, nada realmente significativo. Como um eco, é inferior ao primeiro.