“GHOST: DO OUTRO LADO DA VIDA” – A eternidade de um instante
Listas de melhores romances ficcionais não estariam completas se faltasse GHOST: DO OUTRO LADO DA VIDA. Esse mérito poderia ser justificado pelo sucesso popular de ter lotado salas de cinema mundo afora e ter sido programado na TV aberta em muitas ocasiões, por exemplo no Brasil. Mas, acima de tudo, foi um lugar conquistado a partir dos momentos icônicos criados pela narrativa, enquanto lida de forma respeitosa com a morte e com a combinação entre o efêmero e o duradouro.
A começar pela trajetória dos personagens, a produção estabelece as razões para seu valor histórico. Sam e Molly formam um casal apaixonado que tem suas vidas devastadas após uma tentativa de assalto. O homem é morto, porém seu espírito continua no plano terreno decidido a proteger a amada, que corre risco de ser morta. Para conseguir se comunicar com Molly ele tem a ajuda de Oda Mae Brown, uma médium trambiqueira capaz de ouvi-lo. Define-se, assim, um caminho de mistério, drama, romance e comédia atento às várias possibilidades oferecidas pelos instantes de vida e de morte.
Nas primeiras sequências, temos a definição do que podem significar diferentes instantes do cotidiano: são passagens durante a existência que se confrontam, ora parecendo reconfortantes e longevas, ora parecendo desoladoras e fugazes. É um contraste visto nos anseios de Sam, especialmente quando se divide entre o otimismo do presente e as incertezas do futuro – ele está radiante com o relacionamento, realizado com a carreira profissional e entusiasmado com a reforma na casa; até se questionar em uma conversa com Molly sobre os riscos de se frustrar com algo ou ter a vida bruscamente interrompida. Logo, a montagem de Walter Murch começa a criar um padrão que voltará a acontecer, marcado pelo encadeamento de situações empolgantes a reviravoltas infelizes.
Essa dinâmica se amplia para um escopo ainda maior, quando o aspecto espiritual se inicia. Na cena em que Sam é assassinado, os instantes se alternam e se transformam: após o casal sair de um espetáculo de “Hamlet“, eles interagem de modo romântico até começarem uma discussão inesperada sobre o futuro da relação; nesse meio tempo, sofrem uma tentativa de assalto que, aparentemente, teria um desfecho feliz com a fuga do ladrão até ser revelado que o protagonista levou um tiro e morreu. A conclusão desse segmento reforça o quanto os personagens centrais seriam afetados pela decisão de Sam de seguir no plano terreno, se recusando a partir para outro plano – assim, a narrativa se estende entre os limites de vida e morte colocando Sam e Molly em uma jornada completamente diferente de momentos opostos.
Cria-se, então, uma segunda dualidade, agora a partir das descobertas de Sam a respeito das “habilidades” e “limitações” que passou a ter. Nesse sentido, o espírito no trem é essencial para que possamos compreender que o protagonista poderia fazer mais do que apenas atravessar paredes e não deve ser notado por ninguém. A dimensão espiritual é sustentada pelos efeitos visuais, embora nem todos tenham envelhecido tão bem (principalmente as sombras que levam as almas dos vilões e as ações espectrais de Sam). Ainda assim, há casos em que uma suposta estranheza no impacto visual dos efeitos seja coerente, como a caracterização do mundo iluminado que deve levar Sam após a morte na medida certa do fantástico e a inserção do homem junto aos demais personagens como uma figura fora de lugar compatível com sua nova condição.
Qualquer eventual fragilidade nos efeitos visuais é minimizada pela construção dramática da narrativa. A partir do tema da vida após a morte e de sentimentos poderosos (paixão, ciúmes, desejo de vingança…), o diretor Jerry Zucker desenvolve uma trama dotada de muitas abordagens, desde as mais leves até as mais carregadas. Graças ao trio principal no elenco, a essência contínua do romance prossegue na produção tendo instantes de outros estilos: as interações de Patrick Swayze e Demi Moore estabelecem tanto uma relação romântica fácil de comprar quanto uma reviravolta dramática devido à tragédia da separação; o ator ainda segura algumas passagens de mistério com a investigação sobre o que ocorreu ao seu personagem; e Whoopi Goldberg entrega uma comédia sempre eficaz como uma médium trambiqueira de personalidade forte que se espanta em descobrir que realmente tem poderes mediúnicos.
A ideia de construir momentos que se diferenciam em termos de sensações e impactos no tempo também aparece na estética. Apesar de Jerry Zucker ser originário da comédia, ele cria sequências icônicas que podem ser lembradas como set pieces valiosas em si mesmas antes de se conectarem ao todo. Dentro do humor, é possível sentir o talento cômico de Whoopi Goldberg quando Oda Mae vai até um banco fechar uma conta e interage com o espírito de Sam nem tão discretamente assim; dentro do romance, percebe-se a intimidade do casal na cena em que modelam uma pela de argila e em que trocam carinhos no terceiro ato, sob o acompanhamento da canção “Unchained Melody“; dentro do terror, há inclusive passagens mais angustiantes em que vilões encontram seu desfecho opressivo. São exemplos que indicam como a narrativa igualmente possui seus instantes de significados distintos e efeitos marcantes.
Todos os esforços de Sam para salvar Molly e entender o porquê de sua morte fazem com que o fim da vida seja respeitosamente tratado pela narrativa. “Ghost: Do outro lado da vida” tem sua importância por tratar com delicadeza os temas da aceitação da morte e da necessidade de partir – algo que o cinema continuou abordando em outras histórias sobre indivíduos presos ao plano terreno por alguma coisa inacabada durante a vida. E por trás de um roteiro tocante está uma visão artística nada piegas de exploração do que há de eterno em um instante fugaz, inclusive na conclusão que supera a finitude de nossas existências.
Um resultado de todos os filmes que já viu.