“GARRA DE FERRO” – A prova de um ator subestimado
Não são poucos os atores desdenhados em razão de seus primeiros trabalhos. Foram os casos de, por exemplo, Robert Pattinson depois da saga “Crepúsculo”, e de Charles Melton depois de “Riverdale”. Ambos provaram, posteriormente, ao menos uma vez, que foram subestimados: basta assistir a, respectivamente, “O farol” e “Segredos de um escândalo”. O mesmo ocorre com Zac Efron, protagonista de GARRA DE FERRO.
O filme conta a história dos Von Erich, uma família de lutadores profissionais de wrestling (luta livre) que, liderados pelo pai, busca o título mundial. Cada um dos filhos tem as suas particularidades, mas é Kevin quem parece o mais apto a disputar o almejado cinturão. A família é abalada, porém, por tragédias que fazem parecer que estão fadados a um ciclo de infelicidade.
Depois do fraco “O refúgio”, Sean Durkin sobe de patamar enquanto diretor e roteirista. Causa surpresa tratar-se de uma história real, dadas as probabilidades dos acontecimentos, mas isso é aproveitado por Durkin como mola propulsora da narrativa. O que começa como um filme de esporte – a partir do qual, naturalmente, trajetórias são projetadas pelo público – se torna um denso, complexo e triste drama, progressivamente implacável. Essa progressão se reflete não apenas na narrativa, mas também, por exemplo, na trilha musical, que passa a fazer prevalecer músicas instrumentais que elevam a sensação dramática.
O tom adotado pelo cineasta é naturalista por excelência, usando planos longos e planos-sequência. Isso torna as cenas de luta mais interessantes (ainda que se trate de um esporte baseado na encenação), uma vez que filmadas de perto, dentro do ringue, sem muitos cortes nem afastamentos. A caracterização dos lutadores, como não poderia deixar de ser, é bastante fiel às excentricidades da luta livre (sungas, capas, robes etc.), e a espetacularização inerente ao esporte é um componente fundamental para, novamente, o tom do filme. Por exemplo, na cena em que Kevin é jogado para fora do ringue, seu rastejar, filmado em contreplongée, na contraluz, enquanto a torcida grita o seu nome e vaia o seu adversário, não deixa de ter fins narrativos, mas proporciona, ainda mais, uma atmosfera coerente com aquele universo.
Faz parte dessa espetacularização o muro que separa a vida pública da vida privada dos lutadores. Em frente ao público (quando os atletas dão entrevistas ou falam no microfone dentro do ringue), o overacting é justificado na medida em que a teatralidade faz parte da luta livre, o que é ausente em suas vidas comuns. Alguns deles, como Ric Flair, chegam a exaltar (nos bastidores, é claro) os excessos teatrais dos embates. O filme exala testosterona com as suadas lutas e as cenas de prazer sexual (as segundas, curiosamente, são tímidas, não espetacularizando a masturbação, por exemplo). Essa masculinidade é coerente com as lições que Fritz passou a seus filhos, como de que homens não choram.
A figura paterna é engrenagem fundamental da trama, que fala sobre hereditariedade, uma vez que os filhos herdam profissionalmente o que lhes é favorável (a “garra de ferro”, golpe icônico do pai, e o objetivo do cinturão), mas também o que lhes é desfavorável (uma suposta perseguição sistêmica à família). Sempre sisudo, Holt McCallany faz de Fritz um pai cujos papéis são simplistas: provedor (o que ele dá a entender que foi um fardo em sua juventude), orientador (desde que dentro do esporte, única opção válida) e autoridade (é ele quem toma as decisões sobre as lutas), jamais carinhoso (quando Kerry volta para casa, sua recepção é com um aperto de mão; abraços, quando ocorrem, são de empolgação e comemoração, mas não afeto). Ele é incapaz de falar uma linguagem diversa da esportiva (rankings, ganhar e perder etc.) e, obcecado pelo título mundial, projeta o desejo e as respectivas frustrações, alternando sagazmente entre primeira pessoa do singular e do plural. A frase “o mundo continua nos privando (…) e eu quero revidar” é emblemática nesse sentido.
No elenco estão ainda Harris Dickinson, Stanley Simons e Jeremy Allen White como os três filhos mais novos; nenhum deles com muito espaço, mas todos competentes. Maura Tierney dá vida a Doris, uma personagem complexa que parece ser uma mãe se eximindo das próprias responsabilidades, mas que comove ao demonstrar ser uma mulher que sempre se conteve e que está prestes a implodir. É Zac Efron, contudo, quem mais impressiona pela atuação, tanto pela sua modificação corporal (mais musculoso que nunca), quanto pela demonstração dos sentimentos de Kevin. A sensação é que seus músculos pesam menos que a pressão e a responsabilidade da personagem, que fica dividido entre orgulhar o pai (o que lhe gera decepção) e simplesmente se divertir com os irmãos. A relação com eles é ambígua, uma vez que surgem como sombras que, momentaneamente, o ofuscam. Todavia, o amor fraternal é tocante considerando o quanto se apoiam, boa parte graças à responsabilidade que Kevin sente em relação aos mais novos. É esse mesmo sentimento, ainda, que dá mais camadas ao protagonista, que fica cada vez mais atormentado com os dramas que os acometem. Para quem viu Efron em “High School Musical”, ele não está irreconhecível como indivíduo, mas como ator (pouco importando se isso é fruto de amadurecimento, boa direção ou boa personagem). Se alguém duvidava de seu talento, “Garra de ferro” é a prova.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.