“FREAKY – NO CORPO DE UM ASSASSINO” – Combinações para paródias
“Tá todo mundo quase morto” e “O segredo da cabana” são alguns exemplos de combinações dos gêneros terror e comédia que utilizam e satirizam convenções cinematográficas (em filmes de zumbi e de cabanas isoladas, respectivamente). O terrir, portanto, atravessa diferentes períodos se atualizando e buscando novas possibilidades satíricas, como atesta a filmografia recente do diretor Christopher Landon. Em especial, graças a FREAKY – NO CORPO DE UM ASSASSINO, o subgênero encontra mais um realizador interessado em diversificar seu potencial.
Se na duologia “A morte te dá parabéns” as histórias de slasher e viagem no tempo se fundem com efeitos cômicos, o novo projeto do cineasta mantém o assassino psicopata e incorpora a proposta da troca de corpos. Quando a estudante Millie e um serial killer trocam de corpos em um acidente místico, a jovem tem apenas 24 horas para reverter o processo antes que seja permanente. O grande problema para ela é parecer um criminoso perseguido por toda a cidade, enquanto o verdadeiro homicida se parece com uma inofensiva colegial.
Embora o humor impregne a narrativa, há momentos essencialmente de terror eficazes. Dessa vez, o diretor cria sequências evocativas de “Halloween” e “Sexta-feira 13”, trabalhando a tensão advinda de cenários sombrios e das aparições súbitas do vilão (mesmo os jump scares e a trilha sonora repousam na ambiguidade do medo que deveriam gerar e da comédia do ridículo que acabam por produzir). A mesma sensação tensa vem da composição de Vince Vaughn como um serial killer próximo de Jason Voorhees e Michael Myers, que também mascara seu rosto, mantém uma sede assassina silenciosa e uma postura robótica imparável. Além disso, a fusão entre os dois gêneros se materializa na diversidade de formas como ocorrem os assassinatos e em como os espaços fornecem armas para os crimes.
Outra base essencial para o terrir é a mistura de estilos pouco esperados. Ao slasher são somadas histórias de troca de corpos e de high school juvenil, principalmente para desenvolver o arco de Millie: ela mora com a mãe Coral e a irmã Charlene tendo que lidar com a morte do pai; nutre uma paixão secreta pelo esportista Booker; sofre com humilhações feitas pelos alunos populares da escola; e apenas se sente à vontade com os amigos Josh e Nyla. Esse núcleo aponta para diferentes subtramas, algumas mais eficientes do que outras ao se mesclar ao terror, como a dinâmica escolar representada de modo cartunesco e sem tanto peso dramático (o bullying, a festa de volta às aulas…). Nesse sentido, a paródia funciona mais do que os conflitos emocionais suscitados pelas interações na casa da personagem.
Da mesma maneira que os segmentos podem não ser perfeitos, o desenvolvimento narrativo também se abre para possibilidades nem sempre tão cativantes. Quando o roteiro flerta com o drama da protagonista e sua jornada para encontrar seu lugar no mundo, a narrativa enfraquece o potencial satírico das convenções cinematográficas referenciadas. Em contrapartida, os momentos em que a produção abraça o fantasioso potencializam o impacto curioso de assistir às inusitadas combinações entre uma comédia adolescente com sua dinâmica própria e um terror de assassino psicopata com sua violência característica – é nessa perspectiva que o roteiro pode utilizar justificativas místicas para a troca de corpos que não sejam necessariamente bem fundamentadas, algo que se adéqua perfeitamente a uma paródia que não precisa explicar tudo que acontece.
A sátira igualmente permite partir de elementos clichês conhecidos e atingir recursos mais expressivos para o terrir. Logo, a troca de corpos começa com situações batidas e piadas sexuais previsíveis (um homem com sua consciência no corpo de uma mulher e uma jovem com sua consciência no corpo de um homem), mas com o tempo desenvolve novas oportunidades que parodiam tanto a história de high school quanto de serial killers. Feito assim, o humor físico mais óbvio cede lugar a comentários irônicos ou críticos sobre sexualidade (uma cena no banco de trás, a revelação às avessas da orientação sexual de um personagem e a reviravolta em uma possível cena de estupro) e a referências metalinguísticas (as vítimas potenciais em filmes de serial killer e os desdobramentos banais de um assassino o tempo inteiro mascarado).
Desenvolver convenções de gênero ao mesmo tempo que as satiriza é uma escolha que não pode dispensar o tom das atuações. Os desempenhos de Vince Vaughn e Kathryn Newton são alguns dos primeiros fatores que afetam o espectador e anunciam como combinações inesperadas moldam a narrativa: ele está confortável como o matador silencioso, grandioso fisicamente e brutal nas ações sem maiores backgrounds, bem como também nas sequências em que dá vazão ao timing cômico de agir como uma jovem totalmente deslocada em um corpo estranho ao dela; já a atriz parece corresponder apenas ao clichê da estudante com impasses da idade, até se transformar em uma assassino que a princípio mantém o estilo robótico silencioso e, em seguida, revela sua identidade através de discretos olhares e sorrisos ameaçadores. Portanto, ambos se entregam à diversão de atuar dentro de uma caricatura consciente.
Ao compreender como o equilíbrio entre terror e comédia define “Freaky – No corpo de um assassino”, a experiência de assistir ao filme remete aos estímulos sensoriais de um projeto capaz de gerar tensão e humor no mesmo nível. Se anteriormente “A morte te dá parabéns” atingiu parcialmente os efeitos desejados por Christopher Landon, o novo trabalho do cineasta concretiza sua visão pós-moderna: uma colagem ressignificada de elementos e referências já existentes para propor novos resultados a partir de fusões inesperadas. Em parte, lembra a franquia “Pânico”, mas em outras dimensões vai além para criar a paródia específica para a atualidade – nessa versão contemporânea, misturar arquétipos de “Halloween” e “Meninas malvadas” pode resultar em um bom filme.
Um resultado de todos os filmes que já viu.