“FRANKIE” – A vida de uma estrela (e mais)
Uma celebridade também tem seu lado humano e vulnerável. A ideia não é nada original, mas a sensibilidade de FRANKIE a torna mais palpável, principalmente pela escolha da atriz para viver a protagonista.
Não é recomendável a leitura da sinopse oficial, pois ela revela um plot twist que se torna a chave para interpretar o longa. Basta saber que Frankie é uma estrela do cinema que reúne seus familiares para passar alguns dias em Sintra (Portugal), sem revelar o que realmente planeja com a presença de todos.
Escrito pelo diretor Ira Sachs com o corroteirista Mauricio Zacharias, trata-se de um texto character driven, isto é, mais focado nas personagens do que nos acontecimentos com os quais elas se deparam. Nesse sentido, a escolha de Isabelle Huppert para liderar o cast no papel principal não poderia ser mais acertada. No que se refere à fama, Frankie é uma das facetas de Isabelle; no lado humano, o talento da atriz faz a personagem brilhar.
Superficialmente, a protagonista é uma mulher tranquila e segura sobre si, capaz de aceitar o vazamento de fotos suas, em que está seminua, simplesmente por se considerar fotogênica. Quando aparece Paul (Jérémie Renier, novamente no papel de galã, porém mais imperfeito), uma primeira fragilidade de Frankie se expõe: ela quer que ele seja feliz, desde que essa felicidade seja nos moldes dela. A relação entre eles é complexa, sem repousar em estereótipos como “mãe superprotetora” ou “filho mimado”.
Já no que toca aos relacionamentos de Frankie com Michel (Pascal Greggory, de aparição discreta) e Jimmy (Brendan Gleeson, não muito diferente), surge uma dubiedade sobre ela. Enquanto Michel demonstra certa gratidão, Jimmy guarda um pouco explicado rancor. Contudo, o fato de os dois interagirem entre si de maneira amistosa é significativo. De certa forma, “Frankie” é um filme sobre relacionamentos afetivos (e seus desdobramentos), visto que todas as personagens têm seus arcos dramáticos ao redor desse assunto.
Mesmo Maya (Sennia Nanua, bem no papel), a mais nova do grupo, começa a desenvolver uma interação com um português (o ator, todavia, é péssimo), o que confirma que todos ali estão em algum estágio de algum tipo de relação afetiva. Por outro lado, não há uma visão romântica do tema: mesmo sendo férias pensadas para serem idílicas (nas palavras da própria Frankie), nem tudo são flores. Mesmo as personagens de menor relevância, como o guia português Tiago (Carloto Cotta, mostrando talento em uma breve cena), têm reclamações e/ou um rompimento à vista.
A virada dramática sofrida pela narrativa não implica uma visão negativa do afeto, mas coloca os holofotes em outra perspectiva. A cena em que Frankie e Jimmy estão no piano é o exemplo máximo da caminhada que os dois fizeram juntos até então: ela pode ser triste, mas não é solitária. Acima de tudo está o companheirismo – ou eventualmente os frutos da relação, como no caso de Ian (Ariyon Bakare, razoável) e Sylvia (Vinette Robinson, ótima) em relação a Maya.
Como se fosse uma casca, a metalinguagem da produção oculta seu real conteúdo. O texto é extenso em relação à indústria do cinema, mencionando nomes como Noah Baumbach e George Lucas, além de tratar de questões periféricas (como ao mencionar passagens bíblicas ou lendas portuguesas), porém o intento de Frankie ao reunir o grupo é de uma ternura sem igual. A cena em que ela conversa com Ilene (Marisa Tomei, excelente) é comovente sem recair em pieguice – mas parcela considerável do crédito vai para as atrizes.
A personalidade de cada um que está ali é muito diferente. Por exemplo, o azul que Paul costuma vestir é bem mais acinzentado que o de Jimmy, transmitindo noções como inconformismo (no primeiro caso) e pacatez (no segundo). Mesmo na densa floresta portuguesa, Frankie parece se sentir em um filme, com sua écharpe violeta e óculos escuros, contudo essa é a maneira que ela encontrou para criar um distanciamento em relação às outras pessoas (o que não impede que seja “tietada” por fãs).
Ira Sachs adota um ritmo lento porque a proposta é de aproximação daquela realidade supostamente distante. Quando o cineasta usa lentes grande-angulares na trilha em que a protagonista caminha, sua intenção é mostrar que a mata a assusta um pouco, como faria com qualquer outra pessoa. Reforçando o perfil humano de Frankie, ele a coloca no meio de uma festa de aniversário, longe, portanto, da mídia com que ela está acostumada. Se ela é uma pessoa normal, não faria sentido que ouvisse sons extradiegéticos constantemente, razão pela qual o design de som é quase restrito a ruídos diegéticos (talvez com certo exagero na mixagem, considerando que o local às vezes parece uma gaiola de pássaros). De uma maneira um pouco inusitada, Sachs diz o óbvio: estrelas padecem dos mesmos males de quaisquer outras pessoas. Com maior apuro, é possível perceber, todavia, que ele diz muito mais do que isso – e que o que ele diz é universal e atemporal.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.