“FOGO CRUZADO” – Inspiração não é o suficiente
Criar situações de conflito interessantes em espaços delimitados já é algo bastante popular no cinema. Hitchcock foi mestre em explorar este tipo de narrativa, desde “Festim Diabólico” (clique aqui para ler a nossa crítica) até “Janela Indiscreta” e no seu filme mais popular, “Psicose” (clique aqui para ler a nossa crítica), filmes em que ele usa o espaço como parte da película criando tensão em torno de todo o ambiente. FOGO CRUZADO se apropria dessa convenção espacial para criar sua tensão enquanto mergulha, também, em um flow de ação influenciado no cinema de ação de Hong Kong dos anos de 1980. O problema é que a inspiração é apenas o primeiro passo para a arte.
O “trambiqueiro” Teddy Murretto precisa escapar do assassino Bob Viddick, para isso agride a policial e protagonista Valerie Young. Preso e trancado na delegacia de uma cidade pequena, ele acha que estará a salvo, mas nem a prisão pode protegê-lo, pois o assassino também vai preso propositalmente apenas para caçar o golpista.
É na delegacia que a trama se desenrola: enquanto Valerie tenta entender a situação de Teddy, interpretado por Frank Grillo, já conhecido por ser estrela de filmes de ação B, como “Uma noite de crime: anarquia” o assassino Viddick (Gerard Butler, de “300”) tenta convencer a protagonista que a melhor opção é deixá-lo matar o trambiqueiro e se livrar de um grande problema. Logo a seguir a delegacia passa a ser atacada por outro assassino que pretende dar um fim em toda a situação, que mais parece ser uma queima de arquivo que perdeu o controle, já que envolve até membros do FBI e pessoas da própria polícia local. O ponto então é que Valerie se meteu em algo muito maior do que deveria e agora precisa lidar com tudo isso.
Esse tipo de narrativa geralmente se sustenta na tensão e na entrega de bons momentos de ação. É tudo sobre um controle preciso entre o antes de acontecer, que o público já está esperando, e a entrega frenética do ato em si. O problema se encontra em como o diretor Joe Carnahan não consegue fazer bom uso das situações criadas para elaborar boas cenas de ação ou ao menos equilibrar os impasses da personagem que protagoniza o filme.
A montagem em si é falha, levando em conta como o filme demora para chegar ao ponto necessário, mesmo sabendo que os elementos antes apresentados eram quase irrelevantes. A necessidade constante do uso da “arma de Tchekhov” para preparar a delegacia para todo o confronto é boba e até desrespeitosa com o público. Quando os confrontos acontecem, são situações forçadas de maneira subsequente para simplesmente colocar em cena todos os elementos que foram desnecessariamente apresentados. As próprias cenas de ação inspiradas pelo cinema de Hong Kong não chegam aos pés de qualquer trabalho do John Woo em filmes como “Fervura Máxima”. Os tiroteios são lentos e tediosos, a falta de personagens em meio às trocas finais e às bruscas conclusões, não dialogam com a forma com a qual a direção de cena trabalha. Se existe o fetiche pelas armas e pela preparação, é preciso se entregar ao slow, mas também é necessário mergulhar na consequência destrutiva disso. É até estranho como esses elementos se apresentam no filme, mas parecem não funcionar, soam como uma imitação pobre.
Quando se trata das inspirações hitchcockianas, é também falho. O texto é pobre demais para sustentar os personagens, nada do que dizem parece relevante, não há nada que nos faça empatizar por qualquer um daqueles ali. É claro que essa ausência de elementos poderia ser proposital, para somente ser sobreposta pela ação como um fim, mas não é o caso, já que ela é também fraca.
Sobra, no fim, um pouco de apelo moral e até um apego a um suposto código de honra entre aqueles fiéis ao que fazem, mas nada disso é realmente poderoso o suficiente para criar um impasse que gerasse algum tipo de plano que realmente valesse a pena deixar em tela. Não existe neste longa inimigos que valem a pena vermos se enfrentar.
Sempre teimando em colocar em palavras, tudo aquilo que só é possível sentir.