“EU OS DECLARO MARIDO E… LARRY!” – Os preconceitos de Adam Sandler
Quando Adam Sandler trabalha com profissionais fora de seu círculo cinematográfico mais íntimo, bons resultados são produzidos: “Embriagado de amor” de Paul Thomas Anderson e “Tá rindo do quê?” de Judd Apatow são exemplos de filmes diferentes do estilo mais comum do ator e eficientes em suas propostas. Entretanto, tais exemplos são raros numa carreira repleta de obras que sintetizam sua visão de mundo preconceituosa e supostamente engraçada. EU OS DECLARO MARIDO E… LARRY! expõe essas características: a história de dois amigos bombeiros heterossexuais que decidem fingir um casamento para permitir que um deles possa evitar a burocracia do seguro de vida de seus filhos; após essa decisão, eles precisam driblar as investigações do Departamento de Seguros de Nova York sobre a validade da união entre os dois.
O tom da narrativa é caracterizado por piadas dignas de uma criança ingênua de oito anos, capaz de considerar engraçadas certas referências bobas sobre sexo, flatulências ou características físicas fora dos padrões sociais. Nos momentos em que o filme não tenta extrair humor dessa forma, os mais diferentes preconceitos são mobilizados a partir de uma ideia equivocada de que tais piadas não são ofensivas nem degradantes. Os personagens principais Chuck e Larry passam a maior parte da produção destilando machismo e homofobia, através da utilização de termos incorretos e discriminatórios referentes a diferentes orientações sexuais e às mulheres. A maioria das personagens femininas são retratadas como figuras que orbitam em torno dos homens e atendem às necessidades sexuais deles; já os homossexuais são retratados como sujeitos anormais portadores de vocabulário e ações completamente diferentes de outros indivíduos. Nesse sentido, as tentativas de fazer humor reproduzindo intolerâncias cotidianas se revelam vergonhosas.
Se a maior parte da projeção é dedicada a esse “humor”, a passagem do segundo para o terceiro ato tenta transmitir alguma mensagem socialmente relevante sobre o respeito às diferenças. Os problemas dessa tentativa recaem em dois pontos: o tempo de tela destinado às mudanças de comportamentos dos personagens é muito pequeno e não convence nas poucas sequências exibidas; além de os próprios arcos dramáticos vividos por Chuck e Larry não demonstrarem eficientemente como esses dois homens tão abruptamente abandonaram seus preconceitos e abraçaram uma postura mais tolerante. Os temas ligados ao respeito às diferentes orientações sexuais são importantes e precisam ser apresentados como o filme faz; porém apenas lançá-los de qualquer maneira não torna a narrativa complexa nem digna de muitos elogios, pois é preciso trabalhá-los e desenvolvê-los de maneira cuidadosa. Esse segundo aspecto é uma falha gravíssima do filme.
As deficiências na caracterização e na evolução dos personagens comprometem o trabalho do elenco central. O melhor ator (muito mais em comparação com os outros do que por mérito próprio) é Kevin James e é ele quem consegue cativar um pouco mais o público em função do amor e da preocupação que sente pelo futuro dos filhos; o Larry vivido pelo ator tem algumas camadas, especialmente se pensarmos a relação com os filhos e a saudade da esposa falecida, porém elas não possuem tanto espaço para aflorarem. Já Adam Sandler e Jessica Biel não são propriamente atores de muitos recursos e, por isso, se apegam às muletas e clichês atribuídos às suas personas: ele costuma repetir o personagem de personalidade infantil com roupantes de irritação e descontrole em Chuck; já a atriz somente é utilizada pelo roteiro como a advogada sexy que desperta a excitação de Chuck.
Esteticamente, o filme também não possui muitos atrativos. O diretor Dennis Dugan não constrói planos interessantes visualmente e move sua câmera de maneira discreta. Quando ele tenta algo diferente, o resultado é instável: a sequência de frames numa razão de aspecto menor durante os depoimentos de Chuck e Larry acelera o ritmo da narrativa com eficiência e aproxima os dois personagens; porém as sequências de apresentação da personagem de Jessica Biel e de tentativa de humor num banheiro dos bombeiros utilizam o slow motion e uma trilha sonora engraçadinha para criar momentos vergonhosos e preconceituosos contra mulheres e homossexuais. No geral, a montagem da comédia incorre num erro muito visto em outras produções do gênero: a sensação de que acompanhamos várias esquetes que poderiam ser retirados sem prejuízos a narrativa (algumas delas, por sinal, são bastante breves e duram poucos segundos).
“Eu os declaro marido e… Larry!” é uma sucessão de equívocos no tratamento de temas importantes socialmente. Faltam aos envolvidos sutilezas e compreensões do que pretende mostrar, tão necessárias para impedir que a comédia se transforme em ofensa. O símbolo dos problemas do filme é a representação dos filhos de Larry: difundir discursos de que existem papéis sociais específicos para homens e mulheres (incluindo atitudes, gostos e desejos) sem as devidas problematizações e negações é algo perigoso que afeta todos nós. Como essa obra afeta… e não positivamente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.