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“ESTÔMAGO II: O PODEROSO CHEF” – O encaixe ideal

Diante da importância reduzida do protagonista do primeiro filme, em alguns momentos, ESTÔMAGO II: O PODEROSO CHEF parece mais um spin-off do que uma continuação. Nonato e o presídio fazem parte da superfície de contato, mas a interação entre presente e pretérito não faz o encaixe ideal.

Dezesseis anos depois de conquistar o presídio com a sua gastronomia, Nonato continua em uma posição confortável junto a Etecétera, o líder dos criminosos, e o diretor do estabelecimento. Tudo está prestes a mudar quando o chef cai nas graças de Dom Caraglio, um mafioso italiano que acaba de chegar na penitenciária.

(© Paris Filmes / Divulgação)

O diretor Marcos Jorge repete a parceria com Lusa Silvestre no roteiro, dessa vez com Bernardo Rennó ao invés de Fabrizio Donvito como terceiro roteirista. Estruturalmente, “Estômago II” repete a fórmula do primeiro, em especial no seu paralelismo quanto às narrativas, às metáforas e à linguagem. Em termos de linguagem cinematográfica, Jorge mostra apreço pela montagem paralela, como na cena de Valentina (Violante Placido) com um possível traidor e Salvatore (Giulio Beranek) com Dom Galante (Vincent Riotta) e no próprio clímax. Aqui, o equilíbrio é adequado, o que, contudo, não se reflete nos outros aspectos.

Quanto às metáforas, geralmente sua pobreza é decepcionante. No texto, o monólogo inicial não é propriamente ruim, mas a comparação da cadeia alimentar com a hierarquia do mundo do crime é pedestre; mais interessante é o simbolismo dos animais maltratados ainda vivos para servirem de alimento, contudo a repetição da ideia a torna desinteressante. O figurino é bem direcionado, seja na cor (uso abundante de tons escarlates simbolizando o vinho italiano e a violência da máfia), seja na escolha (a elegância de Roberto ao usar camisa mesmo no presídio, a dolma de Nonato representando o seu novo status), mas não sai do óbvio. A rima visual da bebida é sagaz (o diretor a esconde no Código Penitenciário, Etecétera, em uma estátua religiosa; nos dois casos, Nonato sabe o esconderijo e os serve) e representa bem o paralelismo feito pelo filme entre criminosos e autoridades. Porém, a ideia não é explorada com inteligência suficiente.

O longa é embalado por um espírito italiano pujante em quatro dimensões: na trilha sonora (a música de maior destaque é uma releitura de “L’inverno“, do veneziano Vivaldi), no design de produção (a paisagem bucólica, a arquitetura, o figurino), na mise en scène (a linguagem corporal de Dom Galante, inclusive com seu charuto, a verborragia dos italianos) e, claro, no próprio roteiro, em especial no pretérito diegético. Assim como no filme de 2007, há uma divisão da narrativa em duas linhas temporais, de modo que, no pretérito, o protagonista parece alguém incapaz de cometer um crime, e, no presente, ele já está encarcerado por motivos desconhecidos. Em “O poderoso chef”, porém, há duas diferenças consideráveis.

A primeira diferença está no protagonismo, que deixa de ser de Nonato e passa a ser de Roberto. Ainda que o primeiro tenha espaço na narrativa do presente diegético, no pretérito é como se ele não existisse, havendo importância do segundo nas duas linhas. Nicola Siri é impecável nas duas versões de Roberto: na primeira, um homem apaixonado pela gastronomia e um romântico imprudente; na segunda, um líder mafioso autoconfiante e sem escrúpulos. O gap entre elas não seria um problema se ele fosse preenchido pela própria narrativa. Esta é, inclusive, a segunda diferença entre os filmes: no primeiro, a continuidade entre as linhas temporais é fácil percepção; dessa vez, todavia, o espaço de sutura é tão grande que a transformação se torna pouco crível e, ainda mais grave, a produção parece quase uma antologia mal elaborada.

Comparativamente, há o ganho da máfia em que Roberto se envolve, mas a perda da ingenuidade carismática de Nonato. Quando aparece, João Miguel ainda encanta com sua divertida personagem, todavia seu espaço diminuto causa estranheza. Ainda assim, são com ele os melhores momentos de comédia, como quando repete as regras da “famiglia” ou quando questiona se Roberto “não tem dó” do ouriço. Em menor grau do que no longa de 2007, é possível rir com “Estômago II”. O palavreado chulo faz parte de uma composição naturalista engraçada; expressões como “dá um créu” e “meter um táxi” fazem parte do charme desse universo, que mantém os elementos mais básicos. São exemplos desses elementos a devoção (nem sempre séria) à gastronomia (de um asqueroso brigadeiro com mosca a um apetitoso bauru bem recheado) e o comando do presídio pelos criminosos (Paulo Miklos repete seu papel como Etecétera, agora com maior relevância). A fórmula da continuação é repetida, porém há uma tentativa de enveredar por um caminho distinto ao se aproximar dos filmes de máfia, o que denota uma louvável vontade de ir além do que já foi feito. Entretanto, sem uma melhor conexão entre as narrativas, a obra fica apenas na média das continuações desnecessárias, mas inofensivas.