“ESQUECERAM DE MIM 2: PERDIDO EM NOVA YORK” – O maior presente de Natal
O Natal é geralmente associado às crianças, aquelas criaturas que se esbaldam com os presentes trazidos pelo Papai Noel. De fato, é preciso ser muito infantil para agir de acordo com os valores natalinos, algo que Kevin consegue repetir em ESQUECERAM DE MIM 2: PERDIDO EM NOVA YORK.
Um ano após ser esquecido sozinho em casa no período natalino, Kevin fica sozinho novamente, porém com uma diferença: ao invés de estar em casa, ele está em Nova Iorque. A cidade é grande o suficiente para que ele a aproveite, sem saber, contudo, que os “Bandidos Molhados” estão à solta, mais perto do que pode imaginar.
Segundo o ditado popular, “em time que está ganhando, não se mexe”. Se o primeiro filme (clique aqui para ler a nossa crítica) foi um sucesso, Chris Columbus retorna com a mesma equipe para dar continuidade aos acertos. Existem cenas que são recicladas do anterior (como a pressa para sair de casa antes do voo), outras, todavia, são ampliadas e até mesmo aprimoradas (como o uso dos diálogos do filme de gângster com os funcionários do hotel).
O filme não seria o mesmo sem o trio principal, os hilários Joe Pesci e Daniel Stern na pele dos vilões, e Macaulay Culkin encarnando o protagonista. Os dois primeiros propõem-se a um humor corporal estilo “pastelão” (a interação de Marv com a mulher na rua, a cena com os tijolos etc.), o que funciona porque a proposta é de um filme leve (e engraçado, é claro) – aliás, o auge da comédia está justamente nas armadilhas preparadas por Kevin. John Hughes utiliza também o humor textual, prevalecendo piadas inocentes (a do cheiro de peixe, dentre outras) em detrimento daquelas com um pouco mais de conteúdo (a que menciona Herbert Hoover, por exemplo).
De todo modo, é Culkin que encanta como um prodígio da atuação (o que já era perceptível no filme anterior). A cena em que ele se surpreende ao ver Nova Iorque na janela do aeroporto, boquiaberto, mostra um trabalho de naturalidade compatível com a idade. Poucos do elenco de apoio ganham espaço para demonstrar talento, salvo através de artifícios indiretos – a montagem, por exemplo, é brilhante ao associar o concierge de Tim Curry a um famoso vilão natalino. Ainda na montagem, Raja Gosnell faz um trabalho superior ao já ótimo antecedente (o uso do jornal voando para mudar o plano, a contraposição da fachada da loja de brinquedos etc.).
Embora tenha havido uma mudança no design de produção (agora assinado por Sandy Veneziano), manteve-se como espinha dorsal cores natalinas na estética em geral. O verde (no casaco de Kevin, na roupa de cama, no chapéu da mulher dos pombos) e o vermelho (os tapetes e as flores no hotel, o casaco da mulher), assim, estão intensamente presentes. John Williams reassume a trilha musical sem esmero na originalidade, reaproveitando a grudenta Leitmotiv do primeiro longa (“Somewhere in my memory”) e clássicos como “It’s beginning to look a lot like Christmas” (Johnny Mathis). Contudo, não se pode negar a eficiência das canções escolhidas tanto pelo seu significado (como “All alone on Christmas”, de Darlene Love) quanto pela sincronia com a ação (os sinos de “Jingle bell rock”, de Bobby Helms, tocam concomitantemente aos passos de Kevin).
De maneira ainda mais pujante que em sua prequel, a produção não quer deixar arestas, usando ferramentas técnicas (a arma de Chekhov consistente no banho do Tio Frank ou no palhaço inflável…) e se preocupando com o real (Kevin tem uma explicação para os adultos que o atendem que não abusa da suspensão da descrença). O erro que começa o plot agora é de Kevin, mas tudo é muito bem encaixado (do casaco do pai ao motivo do uso do fone de ouvido impedindo o menino de ouvir a comissária de bordo).
Mesmo Kevin sendo apenas uma criança, ele é quem compreende melhor que todos o significado do Natal. O sr. Duncan pode ser uma pessoa generosa, mas é o protagonista que eleva a fraternidade natalina a outro patamar: as cenas com a mulher dos pombos podem ser breves, mas o sentimento natalino que está ali é o âmago do filme. Todas as pessoas devem ter seu espaço para viver suas vidas – e todas merecem respeito para se debruçar sobre a plenitude do viver. O maior presente que o Natal pode proporcionar a alguém não é corpóreo, é afetivo (é assim na ficção, mas também na realidade).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.