Entrevista: Marçal Aquino, roteirista de CARCEREIROS – O FILME
Nós tivemos a oportunidade de conversar um pouco com Marçal Aquino, um dos roteiristas de CARCEREIROS – O FILME (que também esteve envolvido no roteiro da série). O longa estreia nos cinemas em 28 de novembro de 2019.
Falamos sobre três assuntos principais: a escrita do roteiro, o papel da arte na sociedade e o que o espectador pode levar do filme.
Nosso Cinema: Qual a dificuldade, no trabalho do roteirista, em pegar um livro – o livro do Drauzio – e transformá-lo em um roteiro? [O roteiro da série é baseado em “Carcereiros“, livro escrito por Drauzio Varella que é o segundo da trilogia “Estação Carandiru“]
Marçal: O que aconteceu foi o seguinte: quando nós pegamos o livro do Drauzio com encomenda na Globo de transformar uma série e a gente leu o livro, a gente descobriu – eu e o meu parceiro de escrita, o Fernando Bonassi [corroteirista do longa] – nós descobrimos o seguinte: o livro do Drauzio não dá para adaptar, porque são pequenas “historinhas” que durariam cinco minutos na televisão. E nós precisávamos na dramaturgia de quarenta e cinco minutos. Então nós fizemos o seguinte: lemos o livro e criamos tudo. Nós nos inspiramos no livro, mas a criação foi totalmente original, tanto os personagens quanto as histórias. Eu acho que é assim: a série é muito mais uma homenagem ao Drauzio, porque sem o Drauzio nós não teríamos chegado à série, mas não é uma adaptação convencional. Não pode nem se falar em adaptação, eu acho que a gente criou, inspirado pelo livro. Tanto é que eu pedi para o produtor que colocasse “livremente inspirado no livro de Drauzio Varella”, para evitar que o leitor compre o livro esperando encontrar as mesmas histórias, que ele não vai encontrar e ele vai se frustrar.
“O cinema é tão maravilhoso por conta disto: é possível você divertir as pessoas e provocar nelas uma reflexão“
Nosso Cinema: E considerando o tema, já que hoje existe uma cultura de encarceramento – e uma defesa muito grande disso – qual é o papel da arte, do filme?
Marçal: Eu espero – essa é uma leitura que eu faço, eu não posso, evidentemente, eu não posso antecipar qual é a leitura que as pessoas fazem assistindo tanto à série quanto ao filme – que o filme e a série, por serem coisas realistas, muito perto do que acontece de verdade, no dia a dia, eu espero que isso permita às pessoas ter uma reflexão sobre assunto. E que a gente crie a coragem para sair um pouco dessa coisa capsular que nós estamos, de polarização. É branco, preto; mau, bom; claro, escuro; sabe? Eu acho que não é assim, a vida não é assim, a vida é cheia de nuances… até você chegar do outro lado, tem uma série de lugares que você tem que passar. É que as pessoas são muito assim “ou gosta ou não gosta”, mas eu acho que a vida vai muito além disso. Eu espero que um filme como esse (e a série) permita às pessoas refletirem sobre o real que é e a dificuldade que é tanto para o presidiário quanto para o carcereiro, que, afinal, são produtos da mesma sociedade.
“O país está dividido entre bons e maus… não é assim! A nossa contribuição como artista é fornecer material para que as pessoas reflitam“
Nosso Cinema: E em relação a esse filme, especificamente, o que o espectador consegue tirar como lição?
Marçal: Eu espero que ele tenha uma hora e meia de diversão. N.C. Diversão? Marçal: É, em primeiro lugar. Porque o cinema, para mim, é diversão. O cinema é tão maravilhoso por conta disto: é possível você divertir as pessoas e provocar nelas uma reflexão. Não uma diversão escapista, que você sai do filme e esquece. Eu quero, eu gostaria, que o filme continue com você. E que você se divirta, porque, afinal de contas, eu não quero fazer nada chato. Não adianta você fazer alguma coisa chata, ou monótona, ou sem atrativo, que o público se desligue.
Eu quero que o público não se desligue nem um minuto do filme. Por isso ele tem esse ritmo, essa velocidade. Agora, eu espero que isso provoque nas pessoas algo mais. Que você vá para casa pensando um pouco sobre tanto o presidiário – que é aquele que a gente isola dos demais seres humanos – quanto o carcereiro. E principalmente a figura do carcereiro, que, se eu pudesse chamar de “meu herói”… ele é um homem que vive em dois mundos: ele vive o dia a dia preso e junto com os presos [condenados], ele cumpre pena junto dos presos sem ter cometido crime nenhum, e, quando ele vem para a rua, a atividade profissional dele impacta a família. Você ser carcereiro é você estar correndo risco. Então, todos esses elementos estão ali dentro [do filme]. E eu espero que favoreça uma reflexão, que as pessoas parem um minuto para pensar. N.C.: sem heróis e vilões? Marçal: sem heróis, nem vilões. Não é maniqueísta. Absolutamente! Não podemos ser maniqueístas. O país está aí… dividido entre bons e maus… não é assim! Então, a nossa contribuição como artista é fornecer material para que as pessoas reflitam.