“EM UM BAIRRO DE NOVA YORK” – Superprodução sem o super
EM UM BAIRRO DE NOVA YORK é uma superprodução. Mesmo sem envolver grandes nomes, seu orçamento foi de cinquenta e cinco milhões de dólares, o que certamente demonstra enorme investimento do estúdio que produziu o musical. A título comparativo, “Hamilton” custou doze milhões e meio; “La La Land”, trinta milhões (não faria sentido comparar, por exemplo, com filmes de super-heróis). A expectativa, portanto, era naturalmente alta.
Na periferia de Nova York, Washington Heights, uma comunidade latina vive entre a música, a dança e suas ambições. Usnavi é o dono de uma mercearia local, que planeja sair do país; Vanessa, por quem ele não consegue declarar o amor, se imagina trabalhando com moda enquanto mantém o emprego em um salão. Benny trabalha como despachante na empresa do pai de Nina, por quem é apaixonado. Todos querem concretizar seus sonhos, sabendo, porém, das enormes dificuldades que vão encontrar.
Usnavi explica, logo nos minutos iniciais, que tem não um sonho, mas um “sueñito”, um pequeno sonho. Quiara Alegría Hudes coloca o protagonista como narrador do filme, o que, contudo, acaba sendo prejudicial: as interrupções da sua narração são demasiado infantis, não combinando com a latente sensualidade latina que permeia o longa. O objetivo é causar uma surpresa ao final, o que só pode acontecer com o público infantil, que dá gargalhadas quando Usnavi conta que pisou em uma goma de mascar. A infantilidade se revela também na apresentação didática (usando um eufemismo) das personagens, que acabam sendo unidimensionais (outro eufemismo): o apaixonado (Benny), a inteligente (Nina) , a avó (que nem avó é), a mulher-objeto (Vanessa) etc.
Outro problema do musical é que não há desenvolvimento narrativo, o que não seria problema se houvesse alguma compensação. A ausência de narrativa pode ser compensada, dentre outras formas, por estudo de personagens ou musicalidade extraordinária, mas certamente não é esse o caso de “Em um bairro de Nova York”, que tem personagens rasas e musicalidade obsoleta. De positivo existe a valorização da cultura latina, cuja presença nos Estados Unidos é cada vez mais aceita em termos audiovisuais (antes marginalizados e estereotipados, os latinos agora têm espaço decente nas telas). Entretanto, esse aspecto é geralmente exposto com sutileza nula, como quando Usnavi cita nomes para crianças ou quando a avó conta (e canta) sua experiência imigratória.
Todos esses fatores convergem para uma só conclusão: o musical pode funcionar bem na Broadway, sua origem, mas a tradução para a linguagem cinematográfica é modestíssima. Mesmo que não se trate de teatro filmado (caso de “Hamilton”) e mesmo que o comando tenha ficado a cargo de Jon M. Chu, um diretor com alguma experiência (“Podres de ricos”, “Justin Bieber: never say never” e “Ela dança, eu danço 3”), a filmagem é maciçamente teatral. Os dançarinos impessoais (quem são? De onde vieram? Para onde vão?) surgem do nada (o que nem sempre funciona no cinema e é muito melhor no teatro), a câmera pouco se movimenta para além do eixo horizontal e mesmo o design de produção deixa muito a desejar (aliás, a animação em CGI é amadora). Nas poucas cenas de maior criatividade, a execução é ruim – é o que ocorre quando Nina e Benny dançam na sacada: o surreal até então inexistente é um rompimento estilístico desnecessário (sem desconsiderar o flare sem sentido algum).
As mais de duas horas parecem quatro horas, ou seja, uma duração exagerada soa ainda mais exagerada. A química entre Anthony Ramos (Usnavi) e Melissa Barrera (Vanessa) é completamente inexistente, o que não ocorre entre Leslie Grace (Nina, largamente a melhor do filme) e Corey Hawkins (Benny), que, todavia, são bastante secundários. Lin-Manuel Miranda é o idealizador da peça original, porém no filme sua participação é completamente inútil. Seu número musical é baseado em um doce porto-riquenho, um solo sem relação com as personagens. Em outras canções, eventualmente ele reaparece, sempre como um fantasma sem nome, sem carisma, sem voz e sem função.
Miranda foi o escolhido por Hollywood para levar a cultura latina a novos públicos, o que seria elogiável se o seu trabalho fosse de melhor qualidade. Em teoria, unir a salsa ou o tango ao rap seria ótimo. Na prática, as canções são paupérrimas em suas letras: “paciência e fé” no meio da Leitmotiv, “impotente” cantado pela Abuela quando os jovens estão na boate, Benny cantando “bom dia” e – talvez o ápice – a dificuldade de Usnavi em abrir uma garrafa de champanhe são alguns dos exemplos. As composições não raras vezes sequer combinam com o ritmo narrativo: primeiro Usnavi festeja, logo após Vanessa reclama do trabalho no salão. As coreografias têm alguma sensualidade (inclusive pelo figurino apertado, quando não escasso), mas não impressionam nem surpreendem.
Para um musical, “Em um bairro de Nova York” se limita a novas fronteiras independentes do gênero cinematográfico. É louvável o maior espaço para a cultura latina, mas isso não faz um filme bom, muito menos um musical bom. Não há ao menos uma música memorável, uma cena inesquecível ou uma dança encantadora. As músicas são fajutas; as cenas, ruins; as danças, medíocres. De super a produção não tem nada além do orçamento e do objetivo de ser.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.