“EL CAMINO: A BREAKING BAD FILM” – (Re)começos
A trajetória de um professor de Química comum para se tornar um grande produtor de metanfetamina conquistou os fãs e a crítica. “Breaking bad” marcou seu nome entre as séries com um roteiro instigante, um jogo de cores fascinante e um desenvolvimento de personagens sofisticado sob a batuta de Vince Gilligan. Acima de tudo, criou a convicção de que obra tão rica e complexa já havia se fechado sem outras possibilidades. Puro engano, já que EL CAMINO: A BREAKING BAD FILM mostra que o arco emocional de Jesse Pinkman ainda pode ser explorado.
Vince Gilligan retorna no roteiro e na direção dessa produção original Netflix, que continua imediatamente os eventos finais da última temporada da série acompanhando a situação de Jesse. Ele sobreviveu a um desfecho trágico e está tentando fugir da polícia que o considera suspeito de um massacre e o persegue. Paralelamente, precisa enfrentar suas próprias memórias dolorosas que não o abandonam. O filme derivado de “Breaking Bad“, portanto, apresenta duas dimensões: a ação criada a partir das complicações progressivas que ameaçam a vida do protagonista e o drama definido pelo peso da violência e do sofrimento ao redor dele – dois enfoques que constroem uma unidade dramática marcada pelo desejo de recomeço.
A sequência de abertura revela a natureza dramática da narrativa através do contraste: primeiramente, um flashback com uma conversa entre Jesse e Mike sobre a expectativa de uma nova vida largando o crime; posteriormente, a fuga desesperada de Jesse no presente abandonando o cenário dos assassinatos. A aproximação entre sensações opostas cria a projeção de um futuro esperançoso sempre confrontado pela impossibilidade de eliminar os traumas do passado. O choque de perspectivas também nasce da forma idílica e calma como a primeira cena é filmada – planos abertos, à luz do dia, com poucos e sutis cortes e em um cenário deslumbrante – e a angustiada e aterrorizante na segunda cena – cortes rápidos, à noite, com uma trilha sonora de suspense e trazendo a aparência devastada de Jesse com cicatrizes e barba e cabelo por fazer.
Enquanto está no presente narrativo, o longa se comporta como um filme de ação simples, contido e eficiente decidido a concluir o universo temático a partir do ponto de vista de Jesse. O objetivo dele é claro: corrigir o erro cometido anteriormente de ter desistido de se mudar com outra identidade – isso o faz passar por uma jornada que inclui fugir dos policiais, apagar seus rastros, enfrentar criminosos pelo caminho e conseguir dinheiro para pagar pela identidade forjada. A ideia de recomeço orienta todos os acontecimentos e é trabalhada de maneira direta e crua, mostrando os obstáculos e os personagens envolvidos (os amigos viciados e infantilizados Badger e Skinny e o resolvedor de problemas sério e pragmático Ed).
Além das adversidades que pontuam sua fuga/desaparecimento, existem também as recordações de um passado brutal não tão longínquo. Mesmo que utilize o recurso em poucas ocasiões, o diretor insere rápidos flashes de alucinação de Jesse motivados por algum fato do presente (como a visão das persianas de um quarto remetê-lo à jaula onde esteve antes aprisionado), capazes de evidenciar como ele foge também do passado e de si mesmo. Em tais momentos, a atuação de Aaron Paul é essencial, não apenas por levar o público a continuar se importando com o personagem, mas também para segurar a narrativa praticamente sozinho alternando entre a aflição, a fúria, a melancolia e um senso de pragmatismo – nesse sentido, conta muito a entrega física do ator para retratar tamanha exaustão psicológica.
Na maioria dos casos, a vulnerabilidade emocional de Jesse é trazida a tona por flashbacks de sua vida desconhecidos até então pelos espectadores. São situações antes vistas pela perspectiva de Walter White e agora apresentadas pelo olhar do jovem, especialmente quando esteve preso, humilhado e violentado pelo grupo de Todd – nessas passagens, a unidade dramática oscila um pouco porque, por vezes, reforça eficientemente seu sofrimento, por outras, apenas amplia a psicopatia de Todd. Ainda há cenas em que personagens conhecidos retornam com o intuito de criar ironias dramáticas: Mike, Walter e Jane conversam com Jesse sobre a possibilidade de ter uma vida normal e saudável por diferentes perspectivas ao abandonar o crime, o que é negado pelo rumo daqueles acontecimentos.
Se recomeçar uma vida envolve partir de algo já existente para buscar algo novo, a mesma ideia se observa nas escolhas estilísticas de Vince Gilligan. Padrões visuais de “Breaking Bad” reaparecem aqui como uma identidade do universo: transições cronológicas através de raccords gráficos ; as cenas de ação expressiva e silenciosa; os planos abertos inferiorizando os personagens; e as cenas guiadas por planos detalhe em objetos cenográficos. Ao mesmo tempo, o cineasta concebe novas estratégias visuais condizentes com as necessidades da trama, exemplificadas pelo uso das sombras durante a fuga de Jesse (principalmente quando surge do escuro para surpreender um algoz) e pela mise-en-scène de faroeste no clímax do terceiro ato (remetendo ao estilo de Sergio Leone).
“El camino: A Breaking bad film” pode até gerar um nostalgia por trazer de volta situações, detalhes e personagens saídos de “Breaking Bad“, mas jamais se resume apenas à apelação de sentimentos fáceis. O próposito é contar mais uma trama possível dentro daquele universo, alçando Jesse Pinkman e seu arco emocional ao posto de protagonista de uma história forte e melancólica. Afinal, os diálogos que ele tem com Mike e Jane perpassam a narrativa, demonstrando como recomeços podem ser incompletos e contaminados por dores jamais esquecidas.
Um resultado de todos os filmes que já viu.