“É APENAS UM ADEUS” – Além do óbvio [48 MICSP]
Apesar da nobreza do sentimento jovem – adolescente, para ser mais preciso – retratado em É APENAS UM ADEUS, bem como da delicadeza da abordagem, sua flagrante superficialidade induz a um vazio. Falar sobre as memórias do pretérito e o seu rompimento no presente para construir o futuro pode parecer belo, porém é preciso revelar, para além do óbvio, no que consistem essas memórias.
Em breve, Aurore, Nours, Jeanne, Diane e seus colegas se despedirão dos quartos compartilhados e da vida estudantil pré-faculdade para efetivamente iniciar a vida adulta. Ao questionarem se os laços formados durarão a vida inteira como desejam, recordam que muitos vínculos são desfeitos por forças maiores.
Guillaume Brac elabora um documentário observativo bastante engessado e extremamente repetitivo. Na prática, repetem-se capítulos, cada um com o mesmo formato: inicia-se uma narração em voice over da personagem que dá nome ao capítulo, falando sobre sua própria história pregressa, e surgem cenas ilustrativas sobre a rotina dos estudantes (vão ao riacho, fazem festas e cumprem os deveres escolares). Entretanto, isso não significa que o retrato não é fidedigno. Ao revés, cenas banais como uma conversa das meninas sobre roupas faz parte da criação da atmosfera, o que inclui também, por exemplo, brincadeiras com colchões – afinal, a adolescência está mais próxima da infância do que da idade adulta.
A divisão em capítulos não é efetivamente de grande valia, pois as personagens não são marcantes. A narração sobre a história pregressa, uma vez que breve, é deveras superficial, resumindo relatos que têm potencial (como o de Aurore e de sua mãe), mas cuja síntese os torna rasos. Outro problema é que há uma participação que, mesmo sem ser propriamente uma personagem, ganha para si os holofotes (trata-se de Louison, o garoto de dreads). Por outro lado, é bonita a maneira como Brac cede espaço para as paredes repletas de gravuras que preenchem as paredes, que representam as memórias acumuladas pelo grupo. De maneira geral, imageticamente, os cenários são poluídos, o que torna mais impactantes as cenas em que os jovens tiram essas gravuras das paredes, com sons intradiegéticos e um ritmo que se assemelha ao de um ritual (sensação similar é transmitida nos planos estáticos do mobiliário vazio e da cena da retirada dos dreads).
Não obstante, “É apenas um adeus” não consegue ser verdadeiramente tocante justamente pela mencionada superficialidade, presente tanto na história pregressa das personagens quanto, principalmente, nos laços que elas formaram entre si. As memórias que estão na parede são presumidas (e até mesmo presumíveis), mas não são mostradas, salvo pelas cenas em que os adolescentes compartilham seu tempo. Nesse caso, porém, dividem-se entre a diversão da juventude e o drama da despedida. Como resultado, sua melancolia ganha aparência de melodrama; a razão de aspecto quadrada, ainda que pretenda transmitir a legítima sensação de aperto, ironicamente traduz também a visão restrita sobre o tema. Aqueles jovens são sonhadores, se preocupam com questões globais, refletem de maneira criativa sobre assuntos profundos (como aqueles pensados por Descartes e Freud)… tudo isso está no filme. O que não está é o que a amizade de cada um significou para além do óbvio.
* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.