“DIVERTIDA MENTE 2” – O equívoco de descartar
Depoitempo. Passados nove anos, é natural suspeitar que DIVERTIDA MENTE 2 é uma “sequência caça-níquel” que ratifica s do sucesso de “Divertida mente”, de 2015, uma sequência era questão de o ocaso de criatividade da Disney/Pixar (e que assola Hollywood de maneira geral). Apesar de a ideia de descarte permear a obra, e contrariando essa suspeita, a produção é uma ótima continuação.
Os anos se passaram e agora Riley está na adolescência. Com isso, às suas antigas emoções – Alegria, Tristeza, Raiva, Nojinho e Medo – somam-se quatro novas. O problema surge quando a Ansiedade, uma das novatas, decide assumir o comando no lugar da Alegria, causando dificuldades para Riley e para o quinteto original.
Para uma continuação ser boa, em tese, o ideal é manter a coerência com o universo do filme anterior e expandi-lo (sem prejuízo daquelas que, excepcional, proposital e habilmente, rompem com o antecessor). Assim, o riquíssimo design de produção visto em 2015 é mantido e ampliado: mantido, por exemplo, nos corredores recheados de memórias em formato esférico e na sala de controle, além das personagens de visual neon; ampliado, com elementos novos, como as emoções e os elementos arquitetônicos não vistos antes, além da própria Riley (que agora, adolescente, aparece com espinhas).
Mais uma vez, a Alegria e a Tristeza têm maior espaço quando comparadas às emoções originais, mas agora a Ansiedade é quem realmente movimenta a trama, com uma posição antagonista. O roteiro de Meg LeFauve e Dave Holstein é inteligente ao avançar a idade de Riley para lhe propor novos desafios, de modo que o avanço da narrativa entre os dois filmes se torna natural (isto é, a continuação não parece forçada). O script também é mais econômico quando comparado ao do anterior (escrito por LeFauve e os diretores Pete Docter e Ronnie Del Carmen) em todos os quesitos, da apresentação à duração, da narrativa ao universo expandido. É positivo que a Ansiedade exerça uma função central, criando o incidente incitante dentro da cabeça de Riley e conduzindo-a nas atitudes externas. Porém, o texto decepciona ao lhe atribuir somente desvalor, tornando a personagem unidimensional e reduzindo o potencial da ideia governante.
Há que se reconhecer também que o filme dirigido por Kelsey Mann deixa a desejar na originalidade, já que se trata de uma continuação e, o que é pior, abordando um assunto já exaustivamente tratado, a passagem para a adolescência, com inúmeros clichês. Como em outras obras, a adolescente adota um estilo “Meninas malvadas”; a diferença é que isso é visto sob a ótica da sua mente. Se é interessante acompanhar a maneira como as emoções interagem (a parte interna), a vida de Riley, exteriorizada, é deveras tediosa.
Em seu aspecto dramático, o roteiro abraça a centralidade das memórias, estabelecendo-as como construto para as convicções. Suas conexões formam o senso de si e ajudam Riley a fazer boas escolhas, e é justamente nesses elementos que, primeiro, o design de produção traz novidades (o visual do senso de si é muito perspicaz), e, segundo, a Ansiedade encontra espaço para agir. Afinal, a adolescência é período de transformações e faz sentido que surjam emoções mais rebuscadas.
É a comédia, porém, o grande acerto do longa, diversificando entre o visual (a adaptação das emoções para cada humano) e o narrativo (o alerta da puberdade). São aproveitadas todas as oportunidades para criar humor de qualidade, sobretudo nos diálogos (“já botei você em alguma roubada?”) e nas personagens (o jeito esnobe e a conduta desmotivada da Tédio, por exemplo). Não se trata de um humor infantil, sendo necessário sagacidade para perceber o tom de sátira adotado na maneira jocosa como são retratadas a infância e a adolescência: esta, nas emoções exageradas; aquela, em uma sequência espetacularmente engraçada na qual diferentes técnicas de animação são empregadas para participações especiais hilárias. Também auxilia muito no humor a dublagem nacional, na medida em que, apesar de muito baseada em star talent, tem trabalhos vocais excelentes (em especial a Alegria de Miá Mello, a Tristeza de Katiuscia Canoro e a Ansiedade de uma irreconhecível Tatá Werneck), além de ajustes de tradução certeiros (palavras como “pistola” e “cringe”).
Nos minutos iniciais, a Alegria mostra ter criado um sistema de descarte de memórias, que vão “direto para o não precisa pensar nisso agora”. Essa ideia de descarte tem forte presença no filme, como na maneira como Riley trata as amigas, como ela tenta abandonar os gostos e as preferências infantis e, claro, nas memórias que de alguma forma são desagradáveis. Mais do que pensar que o eu é complexo e constituído pelo que ocorreu de bom e de ruim (uma interpretação mais superficial), o longa leva a pensar sobre o ímpeto, muitas vezes mecânico, de desprezar o que aprioristicamente não interessa (uma interpretação mais profunda). Não por outra razão, a Raiva quer “arrastar para cima” uma aparição de que desgosta. Como descartar muitas vezes pode ser um erro, o descarte desse filme (por ser uma animação ou uma continuação, por exemplo) também seria um equívoco.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.