DIA DO SIM – Sobre como criar filhos e comédias hoje em dia
O label “filmes sobre família para toda a família” tem prestado um bom trabalho para o entretenimento há um bom tempo. Famílias são objeto de fanfarronices múltiplas, o que se dá muitas vezes pela mescla com o drama e pela facilidade de se trabalhar tensões entre personagens, já que todos compõem o núcleo familiar. Filmes e sitcons são incansáveis em explorar o tema, mas o mesmo não segue inalterado com o passar dos anos. As comédias de família americanas nos anos 1980, por exemplo, tinham uma tarefa quase clara de manter um hype conservadorista em plena Era Reagan. São exemplos consagrados: “Três é demais” (1987-1995), de Jeff Franklin, “Arnold” (1978-1986), de Jeff Harris e Bernie Kukoff e a franquia “Férias frustradas” (1983), de Harold Ramis. Todo o mote girava em torno de piadas bobas mas efetivas e lições que precisavam ser aprendidas, tendo como principal a importância da família como um todo e a manutenção dos valores vigentes. Logo os sitcons e filmes migraram para o tema da amizade – como “Sainfeld” (1989-1998), de Larry David e Jerry Seinfeld ou “Friends” (1994-2004), de David Crane e Marta Kauffman – se permitindo lidar com temas mais maduros com certa cautela.
Embora em menor escala nos anos subsequentes, uma ou outra obra tentou dar novas cores a essa diversão para toda a família, espremidos entre comédias pastelões e para adolescentes (em alta agora). Algumas mais bem sucedidas que outras em sua árdua tarefa de traduzir o ambiente familiar, já tão complexo, para o reino das comédias Family Friendly. DIA DO SIM, de Miguel Arteta, mais um original da “ofensiva cinematográfica” da Netflix de 70 filmes em 2021, embarca de cabeça nesse nicho com ares de modernidade mas conteúdo reciclado e retrógrado.
No filme, o casal Alisson e Carlos costumava viver de aventuras, dizendo sempre sim a tudo. Mas após o nascimento dos três filhos, o não passou a ser uma constante com o intuito de protege-los. Alisson, que está mais diretamente envolvida com a criação dos filhos, acaba sendo vista por eles como uma megera. Incapaz de lidar com esse fracasso, ela decide adotar a tática do “dia do sim”, no qual os pais não podem dizer não aos filhos, salvo alguns casos óbvios como cometer um crime, por exemplo. Caso Alisson consiga terminar o dia sem dizer não, poderá ir a um show com a filha adolescente.
A premissa do filme parece ser sobre como criar filhos e adaptar essa criação à própria realidade do casal. A vida no subúrbio americano sempre se apresenta mais dura do que realmente é, mas de fato essa preocupação parece ser quase universal. Arteta cria em seu filme uma família típica suburbana, na figura de latinos bem sucedidos e resolvidos (há muitos diálogos em espanhol), mas não se atreve a tocar em temas que fogem desse cotidiano da classe média americana. O artifício da superficialidade é usado e abusado aqui, com personagens quase genéricos (mãe controladora, pai ocupado, adolescente problemática) que não possuem um poder empático no público. Quando o dia do sim chega, é frustrante. Com um pouco mais de paciência, a reorganização das subtramas trazem um terceiro ato mais substancial. A carga mais pesada do filme fica mesmo nos ombros de Alisson, interpretada por Jennifer Gardner. Meio infantilóide, está completamente obcecada com a perda do controle da vida dos filhos conforme crescem, materializado na sua relação com Katie, a mais velha.
O fato de Gardner interpretar esse papel é quase emblemático. Embora versátil, há um bom tempo a atriz tem se dedicado aos tais “filmes sobre família para toda a família”. Dois bons exemplos estão em “Alexandre e o dia terrível, horrível, espantoso e horroroso” (2014), também de Arteta, e “Com amor, Simon” (2018), de Greg Berlanti. Embora com temáticas bem diferentes (o primeiro filme é da Disney, inclusive), a mãe de Gardner transcende às preocupações ordinárias daqui. Esses são exemplos bem atuais de comédias desse nicho que conseguem retratar as famílias de uma forma mais substancial, menos preguiçosa. Em “Alexandre e o dia terrível, horrível, espantoso e horroroso”, Arteta consegue criar uma comédia quase de costumes sobre uma família suburbana que tem coletivamente um dia ruim. Fugindo de clichês dos anos 1980 e 1990, traz uma lufada de ar fresco e garante a diversão. Em “Dia do sim”, ele se entrega a um escapismo desleixado que raramente empolga. A família enquanto um núcleo inquebrantável é mantida, nunca problematizada. Isso vai, de certa forma, de contra mão com obras atuais que se apegam às especificidades dessas novas famílias, fazendo graça justamente com costumes e incoerências, como a série “Modern family” (2009-2020), de Christopher Lloyd e Steven Levitan, explora tão bem.
É uma possibilidade supor que houve alguma pressão em relação à tempo ou até mesmo à ofensiva da Netflix para 2021 que fez com que Arteta optasse pelos caminhos mais fáceis, e até mesmo mais conservadores, já que o mesmo não aconteceu quando trabalhou para a Disney. Visto que os problemas enfrentados nas décadas de 1980 e 1990 não são mais um empecilho para diretores e roteiristas hoje, pode-se até mesmo pensar que falta coragem ou sobra preguiça. Na verdade, preguiça é o que define filmes como “Dia do sim” e “Férias frustradas” (2015), de John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein. Pequenos detours no nicho, esperamos.
Doutora em zumbis. Péssima em escrever bios.