“DEADSTREAM” – Sustos e risadas para uma época e alguns estilos [26 F.RIO]
O subgênero found footage para o terror tem alguns marcos importantes para sua história. “Holocausto canibal” em 1980, “A bruxa de Blair” em 1999, “Assim na terra como no inferno” em 2014 e “A visita” em 2015 são alguns exemplos dessa trajetória, explorando as possibilidades técnicas e narrativas do uso de diferentes formatos de câmeras. DEADSTREAM pode ainda não fazer parte de uma lista com títulos de tamanha envergadura, mas encontra seu lugar de originalidade ao combinar a estética da “filmagem encontrada”, do desktop horror, de casa mal-assombrada e do universo dos influenciadores digitais.
Shawn Rudy é um criador de conteúdo em uma plataforma de vídeo na internet que foi publicamente cancelado após uma série de publicações, no mínimo, controversas. Ele tenta reconquistar os seguidores transmitindo ao vivo sua visita a uma casa assombrada por espíritos durante a noite. O que deveria ser uma live de grande audiência se transforma em uma batalha pela sobrevivência quando entidades vingativas são liberadas.
A fama do protagonista vem da criação de materiais apelativos para se promover junto aos inscritos no canal, colocando-se em diversos desafios que ameaçam sua vida. Esta é a oportunidade para a dupla de diretores Joseph e Vanessa Winter fazer humor com o mundo das celebridades virtuais a partir de Shawn, um sujeito que mercantiliza seu próprio senso de ridículo. As piadas se dirigem à vulnerabilidade dos produtores de conteúdo na internet que oscilam rapidamente entre o sucesso público e a depreciação coletiva, apresentam um perfil político intolerante às minorias sociais, transformam as críticas em produtos rentáveis a serem comercializados e seguem regras claras para autocrítica e pedido de desculpas nada genuínos.
Quando Shawn chega à casa assombrada, a narrativa toma consciência das convenções do found footage e da grande quantidade de obras no subgênero, por isso repensa e reinventa sua ferramentas. De início, faz isso a partir do humor ao usar aquelas cartelas iniciais sobre fatos reais que deixaram consequências trágicas como uma piada transformada em anúncio publicitário pelo influenciador. Em seguida, os dois diretores contribuem com originalidade para a questão do ponto de vista da câmera e da perspectiva da cena observada. O público pode ficar atento a esse estilo de filme para verificar se os eventos mostrados são captados apenas pela câmera manipulada por um personagem, reagindo de forma negativa se os enquadramentos fogem da lógica anterior. O cinema, então, procurou dispositivos para superar qualquer barreira imposta pelo subgênero e Joseph e Vanessa Winter encontram uma possibilidade de subversão através da instalação de várias câmeras em cômodos diferentes. Shawn tem um equipamento na testa, manuseia outro, espalha mais alguns na sala, no banheiro e nos quartos, chegando, inclusive, a colocar um na cabeça de um espírito para acompanhar seu olhar.
Cada nova perspectiva inserida para o found footage é feita articulando terror e comédia, uma proposta que também pode ser vista nos demais elementos da narrativa. O arquétipo de casa assombrada e as características basilares desse tipo de narrativa são introduzidos com uma consciência irônica, que permite aos realizadores comentar o subgênero, manter a estética tecnológica de uma live e criar pequenos conflitos para o protagonista. Assim, clichês muito comuns são envolvidos por uma roupagem diferente que parte da espetacularização das novas plataformas digitais. Por que o personagem vai em direção a um som estranho em um ambiente perigoso? Por que ele não simplesmente foge dali? Por que não ficam todos juntos para se protegerem ao invés de separem? Tais questionamentos são referenciados dentro da dimensão de um humor metalinguístico, pois Shawn descarta uma peça de seu carro, esconde as chaves da porta de entrada e investiga qualquer ruído intimidador por serem escolhas conscientes que poderiam preservar o interesse e o engajamento de quem está assistindo à transmissão.
Entretanto, seria incorreto afirmar que a comédia prevalece em detrimento do terror. Há vários instantes em que as ferramentas típicas do gênero são mobilizadas, especialmente os jump scares. O recurso é utilizado de formas eficientes graças à maquiagem e aos efeitos visuais equilibrados para criar ameaças diversas com estéticas assustadoras ou repulsivas. Dessa maneira, o surgimento dos espíritos é seguida por sustos muito bem construídos que não deixam o humor enfraquecer as sensações necessárias para o horror. Os cineastas também se aproveitam da geografia da moradia para criar instrumentos de tensão, como o canto de um dos quartos, o corredor do segundo andar, a janela quebrada de outro aposento e a devastação pútrida do banheiro. Todos esses aspectos reunidos são potencializados pelas transições das imagens captadas pelas câmeras espalhadas pelo local, criando o medo do que pode aparecer ao se virar para outro lado, observar as gravações de um dos equipamentos e tentar decifrar a escuridão de uma área. Além das escolhas formais, o roteiro estabelece com uma simplicidade competente a mitologia em torno da morte da antiga moradora, de outros casos violentos que se seguiram e de artefatos simbólicos (os poemas da dona da propriedade, um desenho enigmático e os móveis abandonados).
De forma geral, a produção não pode ser considerada um found footage como se habitualmente conhece. Isso porque a narrativa se adequa à estética do desktop horror, já utilizada, por exemplo, por “Buscando” e “Amizade desfeita“. Nesse estilo, a trama se passa nas telas de computadores durante chamadas de vídeo ou outros aplicativos digitais, dinâmicas sociais que refletem o crescimento das tecnologias por ocasião do isolamento social pela pandemia do coronavírus. Levando em consideração as características em questão, “Deadstream” não se apoia na exibição de imagens encontradas de gravações já realizadas porque se estrutura com base nas ideias de transmissão ao vivo e de senso maior de urgência. Então, Shawn interage com o público da live em tempo real, a partir dos comentários que fazem, sempre com uma forte carga cômica. Podem ser reações desesperadas diante do que veem, piadas sobre o influenciador que desacreditam os riscos ao seu redor e até brincadeiras com clichês que explicam mistérios da trama. As interações ocupam a tela e conferem um elemento visual muito específico às imagens transmitidas enquanto uma live e um filme.
Ao longo da estadia de Shawn no lugar, as situações podem até se repetir por um tempo consideravelmente longo. Ele tenta fugir da casa, encontrar uma forma de expulsar os espíritos, entra em confronto com eles, parece conseguir escapar e precisa retornar em busca de algo deixado para trás. O ciclo se repete por alguns momentos, por vezes sem encontrar tantas variações para a mesma dinâmica. Em outras sequências, algumas boas ideias são descobertas para dar um novo tom ao filme, como a entrada de Chrissy na casa, a expansão da mitologia através de vídeos enviados pelo público na live e algumas experimentações na linguagem das múltiplas câmeras interconectadas. Quando chega o terceiro ato e “Deadstream” se aproxima de um discurso mais profundo para criticar as futilidades do mundo dos influenciadores digitais, a armadilha é superada com mais humor. Não se trata nem mesmo de propor uma reflexão sobre a relação entre esses profissionais e sua audiência ou o tipo de conteúdo mais procurado na internet, mas de levar sempre para a frente a fusão entre comédia e terror sob uma abordagem específica do found footage.
*Filme assistido durante a cobertura da 26ª edição do Festival do Rio (26th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.