“DE VOLTA À ITÁLIA” – Ajudando o filho
É conhecida a expressão segundo a qual “a arte imita a vida”. Em DE VOLTA À ITÁLIA, existe uma aproximação explícita entre as duas, o que poderia ser poético se a arte fosse de melhor qualidade. A parte da vida faz sentido, a da arte, nem sempre – mesmo quando deveria.
Robert e Jack nunca foram muito próximos, mesmo sendo o primeiro o pai do segundo. Quando Jack precisa de dinheiro para investir em seu trabalho, ele e o pai viajam para a Itália para vender uma casa que é de propriedade de ambos. A residência está abandonada há anos, o que exige que façam obras antes da venda. É também uma oportunidade para rever o passado e, quem sabe, reatar os laços.
É provável que James D’Arcy (de “Dunkirk” e “Seis minutos para meia-noite”) seja melhor ator do que diretor – e muito melhor do que roteirista. Trata-se de seu primeiro trabalho em tais funções em longa-metragem, o que justificaria a completa falta de originalidade, mas não alguns equívocos indesculpáveis. O script é bastante previsível e Natalia é um papel completamente vazio para Valeria Bilello (o que seu ex-marido alegou judicialmente afinal?), porém o grande problema é que os conflitos propostos não recebem efetivamente uma solução – salvo, talvez, a parada na carreira de Robert.
Liam Neeson é um grande ator (mesmo nem sempre escolhendo os melhores projetos) e provavelmente qualquer ator pouco experiente se sentiria intimidado. Talvez isso seja facilitado para Micheál Richardson por ser filho de Neeson na vida real, pois ele parece confortável no papel de Jack – o que não significa que ele vai bem, mas que poderia ser pior. Robert é uma personagem mais interessante. Culto (a citação de Shakespeare está em sua memória) e com uma visão de vida bem definida (“todos desapontam”), sua simpatia (é capaz de receber pessoas praticamente desconhecidas em casa para comemorar um aniversário) contrasta com a culpa que sente, muito mais coerente com o sarcasmo que por vezes deixa escapar. Não é à toa que fala em “conversa padronizada” no carro com o filho ou que menciona que “quem não pode pintar, administra a galeria da esposa”. Enquanto personagem, Jack é muito mais modesto, tendo nas dores do passado um trauma que, em verdade, pouco compreende, enxergando-se como vítima e o pai como carrasco.
A relação entre os dois é de diálogo diminuto, razão pela qual Robert prefere ler durante a viagem a conversar com Jack. Quando este se propõe a tal, aquele não tem tato algum (“sobre o que quer conversar?”). Eles são ainda muito diferentes: enquanto o filho lista tarefas, o pai o questiona sobre um filme qualquer. Há um choque de gerações que robustece a dificuldade de interação (a cena sobre o Tinder pode ter o humor como pretexto, mas não está distante da realidade de muitas pessoas da geração de Neeson). A grande questão é: esse conflito, que gera um arco para os dois, recebe uma solução?
A resposta é substancialmente negativa. É evidente que, de alguma forma, pai e filho vão terminar o filme se dando melhor – isso não é spoiler, é uma obviedade. O que importa é saber se eles reatam seu relacionamento de maneira convincente, o que, na prática, não ocorre. Por exemplo, quando Robert conta para Natalia o motivo pelo qual tomou uma decisão sobre Jack quando este era criança, não demonstra arrependimento algum – aliás, não parece se arrepender disso sequer quando expõe perante o filho a culpa que sente, concernente a outro acontecimento. A dificuldade em solucionar conflitos se denota também em relação ao próprio Jack, já que sua atitude em relação a Ruth (Yolanda Kettle) não aparece como resultado de nada em seu arco narrativo (não tem relação com a mãe do rapaz, tampouco com Natalia, que são os pilares da sua trajetória no longa).
Nem tudo em “De volta à Itália”, todavia, é ruim. Além dos cenários toscanos, que dispensam elogios (mas que também não precisam desse filme para serem admirados), D’Arcy imprime charme e doçura em sua película. O charme se faz presente, por exemplo, na cena em que o trio principal come macarrão. Todavia, a escolha certeira de “Fra tanta gente”, de Pavarotti, é fundamental no encanto da cena. O mesmo ocorre adiante, quando a canção escolhida é “Romanza”, de Andrea Bocelli, já que o estilo dos dois corresponde bem ao imaginário popular da Itália vista no filme. A doçura se apresenta na cena em que Jack e Natalia estão no lago, ou quando ele pinta a casa com Anna (Costanza Amati) – nos dois casos, contudo, a pieguice é gritante.
O drama do longa é atrasado: apenas ao final a cena em que Robert olha para a cama expressando sofrimento, dentre outras, passa a fazer sentido. Diversamente, o que faz sentido desde o começo é um ótimo ator querendo ajudar seu filho (o da vida real) em meio a belos cenários. Se fosse com um filme melhor, a ajuda seria maior.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.