“DE PERNAS PRO AR” – De onde vem o prazer?
O contexto atual da maior parte das comédias brasileiras lançadas em grandes cinemas não é tão favorável. A fórmula GloboFilmes impera em muitas delas com poucas virtudes estéticas e um tipo de humor rasteiro e bobo, ofuscando a diversidade artística do país. Contudo, mesmo dentro desse universo, há alguns filmes que conseguem um valor de produção ligeiramente maior. Entre os exemplos, está DE PERNAS PRO AR, apesar de suas qualidades não o transformarem em uma obra muito boa e de seus defeitos o tornarem genérico.
O centro da narrativa é Alice, uma executiva bem sucedida, casada com João e mãe de Paulinho. Ela tenta se equilibrar entre a rotina como gerente de vendas em uma loja de brinquedos e a família, mas falha em ambos ao cometer um erro grave em uma reunião e ser demitida e também por ser uma workaholic pouco envolvida com o marido e com o filho. Desempregada e separada de João, Alice encontra ajuda com a vizinha Marcela, responsável por levar a protagonista para trabalhar em uma sex shop. A partir daí, ela passa a reavaliar o que dá prazer em sua vida, das mais variadas formas.
Mesmo sendo bem-sucedido em mostrar uma personagem independente que trabalha fora de casa, o roteiro entrega um conflito inicial tão batido que ao ser visto mais uma vez permite ao público antecipar como irá se desenvolver: supervalorizar o trabalho em detrimento dos familiares e de aspectos comuns da vida, como uma atividade de lazer em família. Identificar os clichês não significa fechar os olhos para alguns acertos dentro dessa proposta, ainda que eles não consigam sufocar cenas muito previsíveis. Se, por um lado, o rosto de João nunca é apresentado nos primeiros minutos (recurso para evidenciar a distância do casal) e a vida sexual de Alice é negligenciada (construída a partir da primeira cena em que se recusa a fazer sexo com o marido e de sua dificuldade em falar sobre o assunto com a mãe), por outro, compromissos com o filho são esquecidos e o desenho de um relógio é colocado como ilustração para seu frenesi no trabalho (elementos previsíveis ou didáticos demais para transmitir suas intenções).
Quando o primeiro arco da protagonista a leva a trabalhar em uma sex shop, a narrativa apresenta uma elevação de qualidade graças à forma como o sexo e o erotismo são abordados. O roteiro trabalha a sexualidade feminina, ainda que sem muita profundidade, para falar sobre orgasmos, a possibilidade de mãe e filha conversarem sobre questões sexuais sem pudores e sobre o uso de produtos eróticos para tornar a relação sexual diferente. O próprio desenvolvimento desses pontos afeta a trajetória da protagonista, que redescobre seu direito de sentir prazer e de enxergar o casamento com outros olhos, e de outros personagens que passam a comprar os objetos à venda pela loja de Alice e Marcela – é possível ver pessoas de diferentes idades, etnias e orientações sexuais adquirindo os produtos, indicando como o filme reconhece as diferentes formas de prazer existentes.
Enquanto o arco da sex shop está presente, existem alguns aspectos técnicos que se sobressaem em comparação com as tendências de muitas comédias da GloboFilmes (enfocar em uma fotografia e um design de produção muito próximos a uma novela). A loja e a casa de Marcela são concebidas para revelar através dos objetos cenográficos e da iluminação o erotismo característico do universo do qual a personagem faz parte (objetos e quadros eróticos e uma fotografia marcada pela cor vermelha intensa); e a trilha sonora utiliza canções específicas para comentar cenas importantes, como “Like a virgin” quando Alice observa pela primeira vez os produtos da sex shop e “What a wonderful world” após ela usar um deles – mesmo parecendo evidentes demais, as músicas têm uma funcionalidade para cada momento.
As duas atuações femininas de maior destaque também sustentam a ideia de que a produção oscila entre duas partes irregulares. Ingrid Guimarães interpreta Alice como alguém que alterna entre a seriedade profissional e o desabrochar de uma vida com mais prazer, porém a atriz se sente mais à vontade no segundo momento, quando, trabalhando na loja erótica, tem mais recursos para trabalhar seu humor. Já Maria Paula interpreta Marcela, inicialmente, como o estereótipo da mulher extremamente sensual que desperta olhares dos homens ao redor e evidencia as formas de seu corpo (o figurino, a forma de andar e as expressões da atriz reforçam ainda mais essa imagem), mas se torna muito mais interessante quando revela algumas fragilidades emocionais dentro de si.
Sendo formado pelos arcos do conflito família e trabalho e da sexualidade, “De pernas pro ar” tem bons momentos que não permanecem por muito: o esforço de Alice em equilibrar vida pessoal e profissional segue uma batida comum amplamente conhecida pelo espectador (pontuada por algumas boas escolhas de direção) e a (re)descoberta da vida sexual é prejudicada pelas muitas cenas repetitivas que criam humor através do uso dos produtos eróticos e pelo retorno do primeiro arco dramático. Apesar disso, considerando-se o estado das comédias brasileiras de maior repercussão comercial, esse filme não faz tão feio.
Um resultado de todos os filmes que já viu.