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“DAHOMEY” – O eu lírico [48 MICSP]

Com dois atos bastante diversos e, à sua maneira, interessantes, DAHOMEY tem seu verdadeiro traço distintivo um “eu lírico” – fazendo uma analogia com a poesia, o que é coerente com o longa – provocativo e imersivo. O lado mais intelectual de seus dois atos é permeado por uma narração voice over de uma obra de arte, o que se revela inventivo e instigante.

Em novembro de 2021, vinte e seis obras de arte do Reino do Daomé retornam de Paris à sua origem, a atual República do Benim. Trata-se de obras saqueadas pelas tropas coloniais francesas em 1892. Após entrarem no acervo de seus ancestrais, inicia-se um debate entre estudantes da Universidade de Abomey-Calavi.

(© Les Films du Losange / Divulgação)

Depois de vencer o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes em 2019 com Atlantique, a diretora Mati Diop recebeu novo reconhecimento em 2024 com “Dahomey”, vencendo o Urso de Ouro do Festival de Berlim. Histórias como a que está por trás de seu novo filme têm o condão de cativar com facilidade o público europeu por tratar do colonialismo – a reparação histórica interessa a parcela da sua sociedade. É um documentário oportuno e muito bom, mas não chega a um patamar de excelência que supostamente se espera da premiação.

De todo modo, o longa é dividido em dois atos (assim como o de 2019) diferentes no conteúdo e na intenção. No primeiro, algumas das obras que retornam são apresentadas ao espectador, com informações como o nome, o estado de conservação, o material e o que traduzem. Nessa parte, não há didatismo ou formalidade, o viés é expositivo sem maiores aprofundamentos uma vez que o que é central não é cada uma daquelas obras especificamente, mas o quão significativo é o seu retorno às origens.

O segundo ato é mais interessante, pois traz questionamentos provocativos, na maioria sem respostas a priori, e que muitas vezes não foram objeto de reflexão por parte do público (menos ainda do público europeu). Quanto do patrimônio cultural aquelas peças representam? Vinte e seis dentro de um universo de sete mil obras: seria essa devolução motivo de comemoração ou de indignação? Quais as motivações dos agentes políticos envolvidos no processo? Qual deve ser o destino das obras? Essas e outras perguntas podem talvez parecerem possuir respostas simples, mas o debate esclarece não ser esse o caso.

Mesmo com o crescimento do filme no segundo ato, em termos de linguagem cinematográfica ele é relativamente modesto, salvo na mencionada narração. A voz abafada falando em primeira pessoa transforma um documentário expositivo em poético, com elucubrações variadas que estimulam a identificação cinematográfica secundária e permitem uma compreensão mais profunda daquele contexto. Afinal, cada uma daquelas obras, assim como as outras que (ainda) não retornaram para seus lares, tem uma história que explica o resultado que se vê e se preserva. Pensar como uma obra de arte talvez ajude a compreender a importância da reparação histórica e do retorno às origens.

* Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).