CULPA – Sendo singular mesmo repetindo [42 MICSP]
O enredo em que uma pessoa está em perigo e a outra tenta ajudá-la já é um clichê – não raras vezes, há um heroico policial pronto para se sacrificar. CULPA é similar a produções no estilo “Chamada de emergência”, porém conta com uma restrição imposta a si mesmo que torna o filme diferenciado.
O policial de “Culpa” é Asger, que está no fim do seu turno, no período da noite, até que recebe uma ligação de Iben, uma mulher sequestrada. O problema é que Iben não sabe para onde o seu sequestrador a está levando, precisando simular a conversa com o policial, como se o diálogo fosse com a sua filha, para que o malfeitor não descubra – o que complica o já difícil trabalho de Asger.
O filme dinamarquês é dirigido por Gustav Möller, que divide o crédito do roteiro com Emil Nygaard Albertsen. O trabalho, mesmo minimalista, é de resultado muito bom – seguindo a ideia de que “menos é mais”. Do ponto de vista do gênero, trata-se de um suspense, que contém, ainda, elementos dramáticos muito fortes e um único momento cômico (o do homem assaltado). Aos poucos, Asger vai descobrindo que o crime é muito maior do que imaginava.
O drama é tão pesado em alguns momentos que se torna justificada a arriscada opção de focar exclusivamente no protagonista. Möller, ao invés de adotar diversos pontos de vista narrativos, parte apenas da perspectiva de Asger, o que significa que o espectador sabe tanto quanto ele (ou seja, nada, ao menos no início). A vantagem é justamente que alguns elementos chocantes da narrativa ficam atenuados, já que o público não os vê, apenas os descobre pelas narrações de outras personagens. Por outro lado, há a desvantagem de reduzir o visual da película, que fica restrito à delegacia onde o protagonista trabalha.
Trata-se de uma verdadeira faca de dois gumes: se os crimes são apenas imaginados pelo espectador (já que não aparecem), reduzir o cenário a um só local torna a estética singelíssima. Dessa dialética, a síntese é um impressionante trabalho de direção, pois Möller consegue manter o suspense a partir dos três elementos da trilha sonora (e exclusivamente pelos aspectos do som, o que é dificílimo em tempos em que o visual se sobressai). Ao invés de mostrar tudo, cabe ao espectador imaginar – o que é sensacional!
É verdade que a trilha musical não é grande destaque, pelo contrário, no ápice dramático, sua ausência é acertada. Entretanto, diversamente, a edição de som é fundamental na criação do suspense, enquanto os diálogos desenvolvem a trama. O que acontece é o seguinte: enquanto Asger fica no telefone conversando com alguém, consegue pistas sobre a empreitada criminosa; quando algo acontece do outro lado do telefone, a edição de som faz com que os ruídos ganhem função narrativa e substituam o papel normalmente exercido pela ação. Por exemplo, quando ele manda uma equipe policial a determinado lugar, o que o espectador vê é um close em seus olhos, mas o que ele ouve é o mesmo que o próprio Asger: sirene de viatura policial, chuva e a abordagem. A montagem de Carla Luffe também auxilia no suspense, mas não tem muito material em razão do cenário exclusivo.
Sem dúvida, a ótima atuação de Jakob Cedergren faz do filme o que ele é. Se o longa se torna cansativo por Asger ser a única personagem relevante a aparecer, isso não ocorre pela interpretação de Cedergren. Normalmente sereno, Asger se exalta apenas em um momento – todavia, ele fica visivelmente mais tenso, o que fica escancarado no plano-detalhe da sua mão tremendo. A maneira com que o ator faz com que a personagem lide com os dois plot twists também faz parte do convencimento da trama.
O nome do longa é um pouco incômodo em relação a tudo que acontece na narrativa, mas é acertado para provocar a reflexão sobre o turbilhão de acontecimentos que nela ocorrem, em especial em relação às impactantes reviravoltas. “Culpa” pode ter componentes repetidos do que já foi visto em produções anteriores, porém sua singularidade reside em como esses componentes são exibidos. Isso é cinema de qualidade.
*Filme assistido na cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.