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“CU LI NUNCA CHORA” – O peso do passado e o vazio do presente

CU LI NUNCA CHORA é um filme que se aproxima da filosofia do cotidiano, mergulhando nas nuances da existência humana de forma delicada e introspectiva. Os personagens, em sua busca por significado, revelam o vazio de suas vidas, movendo-se entre a necessidade de se manter presentes e a constante luta contra as dores, perdas e memórias que os assolam. Através de uma metalinguagem sutil, o filme questiona como podemos realmente habitar o agora, quando o passado se estende como um fantasma, nos afastando do futuro e nos arrastando para algo que não podemos mais tocar. A complexa tapeçaria de relações humanas e momentos irrecuperáveis, entrelaçada com as sombras da história do Vietnã, não apenas aprofunda a reflexão sobre a busca por identidade, mas também revela a luta interna de indivíduos em um mundo marcado pela incerteza e pela instabilidade. 

A trama gira em torno de uma mulher que tenta se apegar a fragmentos de seu passado após herdar um lóris de um marido com quem está distante há muito tempo. Ao mesmo tempo, sua sobrinha se prepara para o casamento, mas o futuro do jovem casal parece sombrio e estranho. O presente se entrelaça com os ecos de um passado histórico complicado, criando uma atmosfera contemplativa e poética que mergulha em questões sobre a continuidade da vida e o peso das escolhas. Enquanto a tia se vê presa a um passado que escapa de suas mãos, a sobrinha, embora rebelde e inquieta, parece condenada a uma espera constante por algo que nunca virá.

(© Filmicca / Divulgação)

Com uma direção sensível de Pham Ngoc Lan, “cu li nunca chora” é um filme que, embora não apresente grandes eventos ou ações dramáticas, tem sua força na representação de vidas ordinárias, onde nada realmente acontece, mas a vida se desenrola em sua forma mais crua e vulnerável. As interpretações são contidas, quase introspectivas, o que confere um tom melancólico ao filme. Minh Chau, no papel de Mrs. Nguyen, traz uma carga emocional complexa à personagem, que se vê dividida entre os ecos do passado e a incerteza do presente. Sua performance é um reflexo do conflito entre a tentativa de reter a memória e a aceitação do inevitável desenrolar do tempo.

A relação entre tia e sobrinha, embora discreta à primeira vista, revela um contraste geracional e psicológico profundo. A tia, presa ao que restou de seu passado, tenta se agarrar a fragmentos de memória que escapam de suas mãos, enquanto a sobrinha, interpretada por Ha-Phuong, com sua inquietude juvenil, encara o futuro com ansiedade e uma sensação de incerteza. Juntas, elas representam duas perspectivas distintas de uma psique nacional, marcada pelas cicatrizes de uma história tumultuada como a do Vietnã. O filme, com sua narrativa contemplativa e lenta, usa esse contraste para explorar como o peso das escolhas não feitas e dos sonhos não realizados reverbera ao longo do tempo, criando um espaço onde o passado e o presente se encontram em constante tensão.

O roteiro que é assinado pelo Pham Ngoc Lan se destaca pela sua sutileza, navegando entre os pequenos gestos do dia a dia e os grandes temas existenciais. As cenas são carregadas de simbolismo, e a forma como o diretor explora os silêncios e os pequenos momentos de interação entre os personagens revela um olhar atento para as nuances da vida cotidiana. Embora o filme seja, em essência, uma história simples, sua profundidade vem da forma como aborda a fragilidade humana, as perdas irreparáveis e a busca por algo que, talvez, já tenha se perdido.

Ao concluir, “cu li nunca chora” é uma obra introspectiva que questiona a relação que temos com o passado e o futuro, propondo uma reflexão sobre o que significa realmente viver no presente. Sua simplicidade aparente esconde uma complexidade emocional que ressoa profundamente, tornando-o uma experiência cinematográfica que, embora sutil, não deixa de provocar reflexão. A beleza do filme está em sua capacidade de capturar a essência do existir — de viver, mas não estar completamente presente.