“CORPO PRESENTE” – A poesia do corpo e do tempo
O corpo como linguagem universal é o tema central de CORPO PRESENTE, uma obra que transborda visualmente e transcende os limites narrativos tradicionais. O filme explora as infinitas possibilidades de expressão física e seus significados, entregando uma experiência sensorial verdadeiramente única que desestrutura convenções e convida o espectador a refletir profundamente sobre as camadas de memória, identidade e herança que os corpos carregam. A obra é um ensaio poético sobre a relação entre o corpo e o tempo, as marcas visíveis e invisíveis que carregamos, e os diálogos que construímos continuamente através dele.
A narrativa acompanha a trajetória de uma mulher que utiliza o próprio corpo como ferramenta de exploração e registro, transformando-o em um diário subjetivo escrito na pele. Por meio de performances, pensamentos e interações com materiais de arquivo, a protagonista constrói pontes entre o que é íntimo e o que é universal. Esse processo se desenrola em uma trama que mistura documentário, ficção e linguagem performativa, criando um ambiente que não só confronta a audiência com questões contemporâneas, mas também desafia sua percepção.
A direção de Leonardo Barcelos é essencial para a imersão proposta pelo filme. Suas escolhas visuais não apenas simbolizam um estado constante de transformação, mas também evocam uma conexão primordial com a vida. Os elementos visuais — como o uso constante de água e cenários úmidos — são metáforas recorrentes que reforçam o caráter fluido e mutável da experiência humana. Cada ato da obra funciona como uma nova camada dessa construção, explorando as múltiplas formas de expressão que o corpo humano pode assumir. A fragmentação em atos também reforça a ideia de que a trajetória do corpo é plural e multifacetada, refletindo o que está além do físico: as emoções, os traumas e as memórias.
No entanto, a obra não é um filme fácil. Ele exige atenção plena e uma disposição para se entregar ao que está sendo mostrado, sem a segurança de um contexto inicial bem estabelecido. A ausência de uma introdução mais tradicional pode afastar espectadores que preferem narrativas guiadas. Essa não é uma história que te pega pela mão; ao contrário, ela te desafia a questionar, a interpretar e a construir seus próprios significados. Por esse motivo, “Corpo Presente” se posiciona como um longa que dialoga melhor com espectadores dispostos a sair da zona de conforto e abraçar o inesperado.
O filme ainda vai além ao criar uma poderosa conexão intergeracional. As marcas visíveis e invisíveis, tanto físicas quanto emocionais, que transitam entre avós, mães e filhos são destacadas como um legado inevitável. O diretor utiliza esse ponto para ressaltar que os corpos são arquivos vivos de histórias. Eles guardam cicatrizes de traumas, memórias de amor e um mapeamento tangível das experiências humanas, algo que a protagonista traduz em suas interações com outros corpos e histórias. A metáfora aqui é clara: o corpo é, ao mesmo tempo, um recipiente e um espelho. É uma mensagem potente que reverbera a cada instante.
Em termos estéticos, o longa é impecável. As cenas, cuidadosamente construídas como quadros vivos, são acompanhadas por um jogo de cores intenso e significativo que pulsa junto com as emoções que retratam. Os momentos de transição abrupta podem inicialmente causar estranhamento, mas logo revelam sua função de simbolizar as mudanças súbitas e inevitáveis que marcam o percurso da vida. Essa estética arrojada demonstra o domínio visual do diretor, que utiliza cada elemento para potencializar a narrativa e criar um impacto duradouro.
Ao final, “Corpo presente” é uma celebração das possibilidades infinitas que o corpo carrega: como expressão, como linguagem e como testemunho da experiência humana. Leonardo Barcelos entrega um trabalho que, além de esteticamente belo, provoca e instiga reflexões profundas, reafirmando que os corpos, com todas as suas marcas e histórias, são a mais verdadeira manifestação da alma. É um filme que desafia, que exige uma atenção além do habitual, mas que recompensa com uma profundidade intensa.
Um verdadeiro apaixonado pelo cinema, que encontrou nas palavras a maneira ideal de expressar as emoções e reflexões que cada filme desperta.