“CORGI: TOP DOG” – Para adultos ou para crianças?
Produzido na Bélgica, CORGI: TOP DOG é uma animação razoavelmente divertida, mas que perde a oportunidade de ser também inteligente. É bom que estúdios menos conhecidos alcancem maior público, mas seria ainda melhor com um filme de maior qualidade.
O protagonista do longa é Rex, um corgi (raça de cachorro) da Rainha Elizabeth II escolhido para ser o top dog, ou seja, o seu preferido dentre os corgi dos quais ela é dona. Após uma visita de Donald Trump ao Palácio de Buckingham, Rex decide fugir. Esse é apenas o começo da sua aventura fora do lar.
A proposta dos diretores Vincent Kesteloot e Ben Stassen é dar um tom caricatural à animação, de modo que todas as personagens, humanas e caninas, têm traços exagerados. Por exemplo, os cachorros, mesmo quando da mesma raça, apresentam um visual coerente com a sua personalidade: enquanto Rex parece juvenil e sem marcas chamativas, Nelson tem uma sobrancelha que sugere alguém ranzinza e Charlie tem olheiras que lhe dão um ar malvado.
Os demais cachorros também foram desenhados de acordo com o perfil: Wanda tem corpo esguio e orelhas longas, aspectos que simulam sensualidade – da mesma forma como sua entrada em cena, em um show à Broadway -; Tyson tem cicatrizes no corpo, o que é típico de um valentão. Quanto aos humanos, o visual de Donald Trump é hilário.
Ainda do ponto de vista estético, a cor vermelha é usada para simbolizar a pompa da realeza britânica, através do uso de muitas cores rubras, como no papel de parede, nos tapetes e nas roupas dos guardas. Não obstante, o design de produção consegue se adequar bem à narrativa, pois a mudança de ambientes é de fácil percepção – a cena do parque St. James imita um cenário noturno assustador.
Os poucos números musicais da produção não são ruins, contudo é um erro grosseiro misturar inglês com português: a versão trazida ao Brasil (e que prevalecerá, sem dúvida, nas salas nacionais) é a dublada em português, porém as (poucas) músicas do filme são cantadas no original em inglês, com falas soltas em português (interrupções no canto, como observações pontuais) que fazem das cenas verdadeiros Frankensteins. Aliás, na versão brasileira, a dublagem não é das melhores: João Guilherme se esforça, mas não é exatamente um dublador (o maior erro na área é justamente colocar famosos ao invés de profissionais); algumas vozes são irritantes (a de Jack, a pior).
É engraçado pensar que Rob Sprackling e John R. Smith tenham dado alguma veracidade ao roteiro: a Rainha da Inglaterra realmente tem alguns cães dessa raça com um quarto no Palácio de Buckingham – e, a despeito do provável exagero, provavelmente eles têm muita mordomia. Os animais do longa são tratados com moderação na antropomorfia, inclusive no comportamento: quando Rex chama a atenção dos demais para algo muito importante, logo no começo, ele está se exibindo e agindo como um cachorro comum. Ele é um cão mimado que só se importa com a dona, o que justifica que pegue apenas os sapatos de Philip (o Duque de Edimburgo).
De maneira coerente, Rex sofre muito ao se afastar de sua dona, sem saber que, na sua jornada, encontraria dois vilões. O primeiro, Charlie, representa a inteligência (e, por óbvio, a inveja), enquanto o segundo, Tyson, é a representação da força (e do domínio). Nos dois casos, o script quer transmitir mensagens distintas: a verdadeira nobreza não vem de títulos, mas de atitudes; e o maior inimigo de alguém é seu próprio medo.
Apesar da ideia governante familiar, não se pode dizer que “Corgi: top dog” é um filme totalmente família. Algumas piadas sutis (outras, nem tanto) são relacionadas a sexo (a depender da idade, uma criança não entenderia o que Mitsy realmente queria); outras, ao Presidente Trump e à sua esposa. Nesse quesito, certamente a produção é uma oportunidade perdida, já que faz uma sátira óbvia e rasa ao governante dos EUA. Isto é, criticá-lo por ser um aficcionado em redes sociais faria sentido se o objetivo fosse afirmar, por exemplo, que ele se importa mais com selfies do que com o povo, caso contrário (como é o caso), é uma crítica superficial. Da maneira como aparece no filme, é de se pensar: “ok, ele tem vício em redes sociais. E daí?”.
O filme tem referências boas e bem diversificadas, como “Beethoven”, “Rocky: um lutador” e “Clube da luta” – novamente, paradigmas que dificilmente uma criança reconheceria. O erro da animação é ser pouco incisiva para os adultos e não integralmente compreensível para as crianças. Assim, no máximo, serve como aventura escapista (literalmente).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.