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“COMO VENDER A LUA” – Marketing insuficiente

Romance é marketing: se uma pessoa não souber destacar suas virtudes para a outra, não haverá relacionamento. Ciência é marketing: se o cientista não conseguir demonstrar a relevância da sua pesquisa, dificilmente ela terá aporte financeiro para ser desenvolvida. Política é marketing: o candidato precisa falar e fazer o que seu eleitorado deseja para receber votos. Cinema é marketing: os filmes com maior lucratividade aumentam as chances de seus diretores receberem investimentos maiores para projetos subsequentes. É dessa premissa que parte COMO VENDER A LUA.

Kelly Jones é uma publicitária cuja eficiência lhe garante sucesso, ainda que para isso precise modificar – e muito – a verdade. Quando o misterioso Moe a contrata para trabalhar no setor de relações públicas da NASA, ela entra em atrito com Cole Davis, o diretor responsável pelas operações do Programa Apollo.

Falar que romance, ciência, política e cinema são marketing é uma evidente metonímia: nenhum deles se resume a ele, mas tem nele um elemento deveras relevante. É inegável que muitos diretores de cinema, por exemplo, deixam de desenvolver seus projetos por falta de verba. De acordo com o filme, o Programa Apollo corria esse risco, o que ratifica a relevância da publicidade.

(© Sony / Divulgação)

É perspicaz o cruzamento que o roteiro de Rose Gilroy (a partir da história de Keenan Flynn e Bill Kirstein) faz entre verdade, mentira, fins e meios, uma vez que as duas primeiras noções têm seus limites traçados pelas duas outras por Kelly, opondo-se a Cole nesse quesito. Em princípio, isso seria apenas mais um clichê do gênero romance – e certamente não faltam clichês no longa -, mas se torna inteligente ao permitir uma metalinguagem sagaz. Afinal, para alguns, foi Stanley Kubrick quem gravou, em um estúdio, o famoso vídeo de Neil Armstrong pousando na superfície lunar, e essa lenda é bastante (talvez em excesso) referenciada no filme. É aqui que surge a participação de Jim Rash, em papel idêntico a inúmeros outros da carreira, mas que se torna uma oportunidade para o diretor Greg Berlanti “alfinetar” os colegas de profissão. Lance é nada menos que uma sátira ao estrelismo dos cineastas. Nesse e em outros casos, o humor pode ser eventualmente pedestre (como na repetição da mesma piada), mas é bem construído em alguns casos, como quando Kelly fala para Henry (Ray Romano) do prefácio do livro.

Henry, por sinal, é a única personagem que faz o que o filme fala, mas deixa de fazer. Enquanto a ideia da importância do marketing é salientada, ironicamente, o longa não consegue se vender quanto à importância da corrida espacial. Há uma dose considerável de ufanismo, também satirizado de algum modo – sobretudo nos diálogos e nos sotaques incríveis que a brilhante Scarlett Johansson elabora no papel principal -, mas a obra deixa a desejar quanto a demonstrar o que levar a bandeira dos EUA à Lua significava para os seus cidadãos. A exceção fica com o mencionado Henry, que emprega o termo “transformador”. Ainda assim, Berlanti é incapaz de vender, em olhar retrospectivo, o quão significativa era a corrida espacial em termos de patriotismo e ideologia política. Existem piadas políticas com Nixon e uma crítica ao modo como a Guerra do Vietnã ofuscava a empolgação da Apollo 11, mas o filme, em seu marketing, não vende o maravilhamento da missão.

Ao lado de Johansson está Channing Tatum no papel de Cole, que, diversamente dela, não consegue imprimir a dramaticidade exigida pelo papel (ele deixa a desejar, por exemplo, na cena da entrevista). Ainda assim, o casal funciona, inclusive porque o romance, como mencionado, é um clichê imenso. Sem muita inspiração, Woody Harrelson faz mais que o suficiente no papel simplista, mas amedrontador, de Moe. Talvez essa falta de inspiração seja reflexo do filme como um todo, que é competente, mas passa longe de fascinar. No figurino, por exemplo, Cole e Kelly estão quase sempre com roupas lisas, o que os aproxima, mas se distanciam nas cores escolhidas, pois ela está sempre com tons vivos e alegres (amarelo gema, tons rosados…) enquanto ele se veste de cores sóbrias (marrom, azul marinho…). Em seu estrelismo, Lance precisa destoar com um visual incongruente com a sua época.

Igualmente, a trilha original é razoável, mas nada memorável. Não à toa, as músicas cantadas são muito mais chamativas, dada a escolha irrepreensível, em especial no soul. Destacam-se as canções empolgantes de Arthur Conley (“Sweet soul music” e “People sure act funny”) e as românticas de Sam Cooke (“These foolish things” e “Nothin’ can change this love”). Em geral, os nomes escolhidos são da época, como Bee Gees (“To love somebody”) e Aretha Franklin (“Moon river”). Canções como essas não precisam ser vendidas, se estão em um filme, deveriam ser um plus. O que Greg Berlanti precisava vender em “Como vender a Lua”, contudo, não foi vendido.

Em tempo: o nome original do filme é “Fly me to the Moon”, homônimo de uma música extremamente conhecida. A versão tocada, contudo, talvez não seja a mais conhecida, é a de Bobby Womack, que é sublime. “Moon river”, eternizada em “Bonequinha de luxo”, também toca em versão menos conhecida, na voz inigualável de Aretha Franklin. Em comum, como se vê, ambas falam da Lua. O maravilhamento com que a tratam, todavia, é bem maior que a do filme.