“COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2” – Conhece-te a ti mesmo
*Clique aqui para ler a crítica do primeiro filme, de 2010.
Na Hollywood contemporânea, sequências são feitas de maneira forçosa e com fins meramente lucrativos. O resultado acaba sendo uma continuação muito aquém do anterior. Não é esse, contudo, o caso de COMO TREINAR O SEU DRAGÃO 2, que consegue até mesmo superar o anterior.
Na sequência, cinco anos se passaram desde que Soluço mostrou aos moradores de Berk que tudo o que eles sabiam sobre os dragões estava errado. Ele agora está com vinte anos, Astrid é sua namorada e todos na ilha tratam os dragões como animais de estimação – no caso do protagonista, a amizade com Banguela está ainda mais forte. Enquanto Stoico está ansioso para que o filho assuma seu lugar como líder da comunidade, o que o garoto quer é explorar novos territórios. Em uma de suas viagens, o protagonista encontra Valka, outra amante dos dragões, porém o que eles defendem colide com os interesses do perigoso Drago Sanguebravo.
Enxergando a obra enquanto franquia, seu tema é o amadurecimento, o que se traduz em todos os sentidos – em especial do ponto de vista textual, visual e musical. Com um clímax avassalador (muito surpreendente, sem dúvida), o roteirista e diretor Dean DeBlois cria uma narrativa empolgante e palpável, além de muito mais adulta que a anterior, a despeito da fantasia ostensiva representada pelos dragões. Banguela protege Soluço com o próprio corpo não em uma relação de dragão-treinador, mas uma metáfora para a amizade (não é à toa que este chama aquele de “amigão”). A relação entre o jovem viking e Banguela é de lealdade, não controle, sendo essa uma das maiores diferenças entre ele e o vilão Drago. Embora haja algum maniqueísmo na construção de Drago, enquanto antagonista, ele é operacional: sua motivação é clichê, assim como sua aparência (grande, forte e misterioso), não tendo sido explicado o controle que ele exerce sobre os dragões, porém ele é capaz de ensinar ao Soluço uma lição importante.
O plot propõe uma reflexão sobre a (in)capacidade de mudança das pessoas. Stoico é modelo para Soluço, já que vê-lo cantando e tão sensível era quase inimaginável, porém talvez existam limites para essa mudança (no caso do pai do protagonista, o sonho em vê-lo líder da comunidade é inabalável). O espectador é estimulado (assim como o próprio protagonista) a pensar sobre isso, seguindo a ideia socrática segundo a qual “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”.
Outro ensinamento da filosofia grega utilizado pelo roteiro é aquele consolidado no aforismo “conhece-te a ti mesmo”. Nesse sentido, Soluço cresceu por dentro e por fora. Por dentro, ao saber que precisa de algo que não encontra em Berk (seja lá o que for), percebe que continua sendo diferente dos seus conterrâneos e que precisa encontrar o seu próprio destino. Por fora, Soluço também está diferente – e certamente o aprimoramento dos efeitos digitais tem responsabilidade. Seu corte de cabelo está diferente (as pequenas tranças, quase imperceptíveis, indicam uma maior autoconfiança), seu corpo está um pouco mais forte (leia-se, ele não é mais tão franzino) e o traje que ele usa reserva uma surpresa muito boa. E não é só nele que o visual foi aprimorado: a pele de Stoico está levemente enrugada na região dos olhos (o que faz sentido, já que ele quer se aposentar), há mais detalhes nos fios da sua barba e a áspera pele dos dragões ficou mais detalhada. Em síntese, a animação, que já era excelente, ficou ainda melhor do ponto de vista estético, sem dispensar a coerência referente aos cinco anos que se passaram.
Embora o texto falhe ao criar um vilão unidimensional, alguns coadjuvantes têm sua personalidade delineada com maiores detalhes (a exceção fica com Astrid, que pouco muda em relação ao primeiro filme). É o caso, dentre outros, de Cabeçaquente, interesse amoroso de Melequento e Perna-de-Peixe e protagonista de momentos hilários com Eret, o caçador de dragões (o plano-detalhe em slow motion é de uma inteligência cômica muito precisa).
Assim como no longa precedente, o responsável pela trilha musical é John Powell, que, harmonizando-a com o tom do filme, mantém a sensação de aventura (como em “Battle of the Bewilderbeast”, adicionando ao conjunto uma atmosfera de drama (“Stoick saves Hiccup”) e suspense (“Meet Drago”). A música-tema “Where no one goes” é muito boa, porém “For the dancing and the dreaming” está presente em um dos momentos mais poéticos da película.
Em “Como treinar o seu dragão 2”, Soluço chega mais próximo do autoconhecimento. A trama de maturação constitui uma animação exemplar do ponto de vista técnico, um filme edificante capaz de ensinar muito a qualquer pessoa. É um segundo episódio ideal para qualquer franquia.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.