“CLUBE DOS VÂNDALOS” – Minitrama mal utilizada
Minitramas geralmente são mais difíceis de elaborar do que arquitramas. Enquanto o segundo grupo é pautado pelo design clássico e princípios bastante familiares ao público (final fechado, conflito externo, protagonista único e ativo etc.), o primeiro acolhe princípios (final aberto, conflito interno, multiprotagonistas passivos etc.) de adoção minoritária, razão pela qual as minitramas soam estranhas. É ainda mais incomum a estrutura minimalista em um filme hollywoodiano, como é o caso de CLUBE DOS VÂNDALOS. Contudo, o que poderia ser uma virtude se torna um problema.
Baseado no livro elaborado por um fotógrafo que entrevistou integrantes de um clube de motociclistas – o Clube dos Vândalos – entre 1965 e 1973, o longa acompanha a ascensão desse clube através da vida de seus membros. O interesse especial do filme reside em Benny, um jovem briguento que tem o apreço do líder, Johnny, mas cuja esposa, Kathy, não deseja que permaneça no grupo.
A sinopse do parágrafo acima permite perceber um triângulo amoroso entre Kathy, Benny (no centro) e Johnny, um dos aspectos mais interessantes do longa. Kathy reconhece que Johnny “amava” Benny, entendendo que aquele queria ser como este, um espírito livre (uma vez que o líder dos Vândalos tem esposa e emprego). Ainda que ela não expresse verbalmente que a amizade entre os dois pudesse ser algo a mais (mesmo que platônico), o diretor e roteirista Jeff Nichols sugere isso de maneira bem enfática, em especial em uma cena cuja mise en scène faz toda a diferença. A luz vertical, o cenário noturno, os corpos colados, o som do couro das roupas e o enquadramento fechado, com os rostos bem próximos, são elementos que tornam essa conclusão inevitável. A disputa entre Kathy e Johnny poderia inclusive ir mais longe, talvez ganhando centralidade na trama.
Não é essa, porém, a escolha de Nichols. Existem elementos de romance entre Kathy e Benny (como a conexão comportamental quando saem do bar, ambos pegando um cigarro), mas isso não é central, razão pela qual sua artificialidade não é um equívoco grave. Sem se livrar dos maneirismos de Villanelle, personagem de “Killing Eve: dupla obsessão” que a tornou conhecida, Jodie Comer se apresenta como uma esposa cerebral, ao passo que Austin Butler representa Benny como um marido indiferente a (quase) tudo e a (quase) todos. O que é problemático é o fato de que Kathy e Benny são personagens vazias: este, por vagar sem motivação ou interesses, aquela, pela completa ausência de backstory (o que torna sem sentido a cena do primeiro encontro, totalmente sem contexto e desconectada da narrativa). Ainda mais grave, defeitos similares ocorrem com as demais personagens: Michael Shannon diverte com falas interessantes, mas a importância de Zipco é diminuta; Damon Herriman tem em Brucie uma personagem extremamente relevante em apenas um momento, ignorando a necessidade de uma construção prévia; Toby Wallace vive uma personagem nuclear na trama, mas com aparição meteórica sem desenvolver seu backstory). A única exceção talvez seja Tom Hardy, cuja expressão blasé é capaz de tornar Johnny um líder intrigante, quiçá imprevisível.
Subsiste a cultura da gangue de motoqueiros, cuja abordagem tem bons aspectos na produção, como a trilha musical de rock e o figurino impecável com muito uso de jeans (em especial as jaquetas e coletes). Por outro lado, falta ao filme criar uma aura atrativa para os Vândalos, como se houvesse algo que os tornasse apaixonantes. A primeira vez que há um esforço nesse sentido ocorre após mais de um terço da duração total, quando surgem em slow motion e, depois, na estrada. São poucas as cenas na estrada e poucos os diálogos entre as personagens sobre o próprio universo dos motociclistas. O estigma que os marca é sintetizado em uma cena sem maiores justificativas e, na verdade, os Vândalos parecem mais um agrupamento de encrenqueiros e criminosos do que de amigos cuja escolha de vida boa depende do motociclismo.
A narrativa elaborada por Nichols é quebradiça, em episódios sem maiores conexões, o que prejudica a progressão e a unidade. Em razão disso (e das personagens ocas), não consegue ser envolvente; ela tem drama, mas não tem dramaticidade (a morte de uma personagem, por exemplo, não é sentida como deveria). Há ainda um grave problema de ponto de foco. O foco está, majoritariamente, na gangue, contudo o triângulo amoroso pouco colabora na narrativa, seja ao eclipsar a cultura motociclista, seja pelo espaço exagerado de Kathy. Quando o foco está no triângulo, a fragilidade do romance é prejudicial à trama. O ponto de vista, por sua vez, torna a montagem confusa ao alternar entre Kathy e Danny (Mike Faist). Se o foco é a gangue, não faz sentido tamanho espaço concedido a ela; na verdade, talvez não faça sequer sentido que ela seja fonte para Danny. Dependente de narração voice over (usada em excesso), o desenvolvimento narrativo não é orgânico e faz crer que, se fosse um documentário, o filme seria bem melhor. O equívoco, portanto, não reside na adoção do formato de minitrama, mas em seu uso ruim.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.