“CAPITÃ MARVEL” – Pé no freio cinematográfico
A Marvel Studios chegou a um ponto em que muitos de seus projetos são filmes eventos, tendo significados que ultrapassam a própria narrativa de duas horas. Por exemplo, a atual trilogia “Vingadores” deu nova roupagem às histórias de super-heróis e “Pantera Negra” foi uma demonstração de representatividade da população negra. Esperava-se papel semelhante de CAPITÃ MARVEL, em função das promessas feitas em torno da primeira protagonista feminina em filmes do estúdio. Esse compromisso, entretanto, jamais se concretiza do ponto de vista da diversão escapista ou do potencial social.
Na trama, Carol Denvers é uma ex-agente da Força Aérea norte-americana, recrutada pela raça alienígena Kree para fazer parte de seu exército. Incapacitada de se lembrar de sua vida na Terra, ela acaba voltando ao planeta de origem para deter a invasão dos Skrull, uma raça alienígena inimiga. Enquanto tenta cumprir sua parte na guerra, Carol descobre a verdade sobre si com a ajuda do agente Nick Fury e da gata Goose. Apesar de o filme se estruturar dentro da fórmula Marvel de diversão acima de tudo, ele não se sente à vontade para assumir plenamente seu estilo e se choca entre o que realmente é e o que imaginou que poderia ser.
Como história de super-herói, ela é tímida e genérica, incapaz de ter alguma força própria no subgênero. Há uma disputa qualquer entre duas raças alienígenas, construída de forma tão distanciada que o público não se importa com o desfecho delas; muitos diálogos sobre uma ciência aplicada ao universo fílmico, concebida de modo incompreensível e desinteressante para o espectador; e piadas obrigatórias para a fórmula Marvel, estabelecidas, muitas vezes, sem eficiência (o humor associado à gata funciona, enquanto Samuel L. Jackson é apenas um side kick incoerente para o já conhecido Nick Fury). Além disso, a direção de Anna Boden e Ryan Fleck não oferece qualquer set piece nos momentos de ação, filmando-os com uma timidez que impede serem relembrados ou comentados.
O roteiro também possui uma jornada de autodescoberta para a protagonista, vinculada à busca pela recuperação da memória e definição de sua identidade. O reavivamento das lembranças é bem feito pelas inserções de flashbacks da montagem, surgidas graças ao estímulo de algum acontecimento no presente narrativo. Ainda que seja tecnicamente bem situado, o arco de autoconhecimento através do enfrentamento do passado carece de emoção (o público ainda fica sem saber quem realmente é Carol Denvers antes dos poderes) e desperdiça o potencial de empoderamento feminino que cerca a heroína (acontece em poucas passagens do terceiro ato e de maneira apressada, como a sequência de ação em que mostra suas habilidades e seu caráter independente).
A falta de contundência emocional e narrativa também se reflete na atuação de Brie Larson. A atriz demonstra estar pouco à vontade como Capitã Marvel, transmitindo uma frieza e uma distância incompatíveis com a imponência, o humor e o atrevimento pedidos para a personagem. Enquanto ela está em cena com Samuel L. Jackson, a dinâmica entre os dois é bem sucedida e o tom descontraído se acerta; já quando precisa sustentar sozinha o filme, existe uma dificuldade em atravessar o arco de autodescoberta e se apresentar como uma heroína de poderes exuberantes (parte desse último problema cabe muito à direção de atores dos dois cineastas).
Os diretores não apenas falham na construção gradual dos poderes da protagonista (a última sequência de ação é insuficiente para cumprir esse objetivo), como também em toda parte emocional e de ação da obra. Existe uma impressão muito forte de que o enredo é levado em banho maria e com o freio de mão puxado, contendo as necessárias explosões em cada clímax, e de que os cortes intensos nos confrontos corporais buscam camuflar a coreografia pouco inspirada. A condução do ritmo é outro equívoco importante que freia o engrandecimento da narrativa, especialmente no segundo ato com tantos diálogos expositivos que explicam aspectos da trama sem construí-los visualmente.
Outro elemento responsável pela estagnação das potencialidades é o design de produção, repetitivo e nada discreto com as referências. As primeiras alusões ao universo Marvel (o olho de Nick Fury, o bipe já mostrado em “Guerra infinita“, o agente Coulson…) e à década de 1990 (canções, videolocadoras, a internet discada…) se tornam boas tiradas cômicas; porém, seu uso indiscriminado ao longo da projeção acaba por repetir piadas fáceis e enfraquecer seu sentido humorístico. Caso seguisse a lógica dos efeitos visuais, conter ao máximo o abuso do artificialismo que o CGI pode causar, sua estética visual poderia obter frutos melhores.
Portanto, “Capitã Marvel” é um filme que poderia ter mais de uma camada se elas fossem construídas e desenvolvidas minimamente. Como experiência de entretenimento, falha por não conseguir empolgar verdadeiramente; como oportunidade para a mais simples diversão, fracassa em criar um humor eficiente e regular; como narrativa cinematográfica, desperdiça os elementos de linguagem com problemas na direção e na montagem; e como produto social, perde a chance de construir uma personagem feminina forte e de relevância para além do cinema. Tendo uma protagonista que jamais estoura e sendo uma obra que jamais se expande, o novo projeto da Marvel é episódico e esquecível.
Um resultado de todos os filmes que já viu.