“CAMPEÕES” – Apenas no título
O fato de CAMPEÕES ser um remake (do espanhol “Campeones”, de 2018) não o torna um filme já assistido e muito bem conhecido. O que o torna comum e esquecível é a maneira como abraça, escancaradamente, a pieguice típica dos feel good movies. É um filme bem-intencionado e simpático, mas não possui nada que já não tenha sido visto antes.
Depois de sair no noticiário por mau comportamento durante um jogo, Marcus pratica nova conduta cujo resultado é a imposição de serviço comunitário. Ele pode continuar seu trabalho como treinador, mas seu novo time é composto de jogadores com deficiência intelectual – um desafio profissional capaz de mudar sua mentalidade e suas ações.
“Campeões” é o inverso de “Coach Carter: treino para a vida”, de 2005: aquele tem um treinador de atitudes reprováveis e que (inicialmente) não se importa com o ser humano que joga no time que comanda, este, um técnico que exige de seus jogadores conduta impecável; além disso, enquanto no segundo filme quem aprende lições de vida são os jogadores, no primeiro, quem mais progride é o técnico. Há, porém, uma diferença fundamental: o filme de 2005 tem uma abordagem dramática e por vezes tensa que o torna memorável, ao passo que a leveza do de 2023 o coloca na vala comum dos feel good movies inofensivos e facilmente esquecíveis.
Isso não significa, todavia, que “Campeões” seja um filme ruim; ele é apenas singelo. O roteiro de Mark Rizzo segue um design clássico, com dois níveis de conflito para seu protagonista. O primeiro e mais evidente é o conflito pessoal: Marcus não tem amigos nem se relaciona afetivamente com ninguém, o que passa a ser modificado com o serviço comunitário. O segundo é o conflito interno: de maneira mais do que previsível, ele se afeiçoa às pessoas com quem convive, sobretudo os jogadores, mudando seu próprio entendimento limitado e egocentrista de mundo. Trata-se de uma história de transformação tal qual inúmeras outras, cujo ponto de virada é uma de suas melhores cenas, a do banho de Johnny (é uma das melhores porque é engraçada, comovente e sagaz). O diálogo com Phil pode ser um ponto de partida para que Marcus passe a pensar nos jogadores como pessoas, mas é no banho que o protagonista é ativo. Uma cena seguinte envolvendo Darius já mostra um Marcus diferente daquele do início.
O trato conferido aos conflitos é clichê igual ao filme como um todo, porém o tempo gasto para o backstory de Marcus é demasiado enxuto, principalmente quando comparado com longas sequências elípticas que na verdade são redundantes (mostram que ele está diferente). O diretor Bobby Farrelly aparentemente sabia que seu filme é conhecido por todos antes mesmo de ser assistido, então presumiu que o público já sabe que Marcus não era boa pessoa. Assim, o longa não mostra o quão ruim ele era, limitando-se a duas cenas (a da quadra com Phil e a do carro) e uma reportagem de televisão que o resumiria. Isso apenas mostra que a preocupação não era propriamente expor o aprendizado de vida pelo qual passa o treinador, mas mostrar que pessoas com deficiência podem fazer muito mais do que se imagina.
É elogiável a escolha de pessoas com deficiência para papéis de pessoas com deficiência e os artistas são ótimos. Alguns interpretam personagens de importância meramente cômica, como Craig (Matthew Von Der Ahe) com suas namoradas e Cosentino (Madison Tevlin) com seu jeito dominador, outros têm mensagens sérias e importantes a serem transmitidas, como Darius (Joshua Felder) e Benny (James Day Keith). Woody Harrelson interpreta bem o protagonista porque consegue transitar adequadamente entre o drama e a comédia. Marcus se torna mais interessante no relacionamento com Alex (Kaitlin Olson), ainda que o início seja apressado demais, e com Johnny (Kevin Iannucci). O filme desmistifica as deficiências intelectuais a partir do ponto de vista de uma pessoa ignorante a esse respeito, porém lhe faltou sutileza a esse respeito. A cena do ônibus e a da quadra fazem sentido, mas quando Julio (Cheech Marin) narra a história de cada um, o texto empobrece.
Chama a atenção que as canções mais privilegiadas da trilha (em sequências elípticas, por exemplo) não são recentes: “Whiskey river” (Willie Nelson), “Tubthumping” (Chumbawamba), “Escape (the piña colada song)” (Rupert Holmes), “Hey ya!” (Outkast) e “Unbelievable” (EMF). Tal fato reforça ainda mais a ideia de que o filme se esforça para entrar em uma vala comum, aproveitando músicas consagradas ao invés de se arriscar. Chega a ser irônica a defesa do filme de que campeões são aqueles que demonstram coragem para tentar, ao passo que o próprio longa não se arrisca em momento algum. Os dois momentos de tensão, por exemplo, são opacos: o primeiro expõe a realidade de uma família em que um integrante tem Síndrome de Down, mas o faz de uma maneira superficial e inofensiva; o segundo é aquele momento esperado em que o protagonista precisa decidir o rumo de sua vida. Iannucci e os outros artistas que participaram da produção são campeões por mostrar que pessoas com deficiência são capazes de atuar melhor do que muitas das demais (e este filme certamente prova isso), mas seu filme tem “campeão” apenas no título.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.