“CAÇA INVISÍVEL” – Um caso raro
Associar dois gêneros cinematográficos não é incomum, mas nem sempre é fácil. Muitas vezes, existe a prevalência de um deles, como em comédias românticas pouco engraçadas, mas muito adocicadas. No caso de CAÇA INVISÍVEL, o que prevalece é o suspense, com o drama servindo de pano de fundo. Em ambos, contudo, a produção resulta em insucesso.
Em sua despedida de solteiro, Roman vai com seu irmão, Albert, e mais três amigos, a uma floresta para praticarem atividades como canoagem e caminhada. O final de semana tranquilo e divertido se revela muito perigoso quando eles descobrem que são a presa de um caçador que também está na floresta.
O nome original do longa, “Prey” (“presa”, em tradução livre), é mais genérico do que o título nacional, assim como mais fiel. A pessoa que está atrás do grupo não aparece no começo (por isso o “invisível”), porém ela se revela a eles em um momento que deveria ser de surpresa, mas que acaba sendo de descrença. A suspensão da descrença exigida pelo roteiro do também diretor Thomas Sieben é, na verdade, uma suspensão de inteligência mínima. A pessoa com a arma, além de exímia atiradora (cujas habilidades são questionáveis por não serem explicadas), é uma entidade onipresente. Sem mostrar como os cinco são encontrados, aparece apenas que eles são encontrados, não importa o quanto corram ou se escondam.
O texto é pavoroso em diversos aspectos. Uma arma de Chekhov reaparece (como deve) no desfecho, porém absolutamente desperdiçada – o encerramento da película, por sinal, é deplorável. Abundam inverossimilhanças: por que Roman investiga as casas ao invés de procurar um telefone? Por que o computador estaria ligado e já com o vídeo que o protagonista precisa à disposição? Se é verdade que os cinco amigos são bem infantis (“desde quando você gosta de mulheres?”, “desde que conheci sua mãe”), não é menos verdade que são estúpidos ao extremo.
Além disso, as personagens são estereótipos vazios. O protagonista Roman (David Kross, esforçado) é a figura altruísta (mente por Vincent, pega o celular para Albert, dá o plástico para Peter); seu irmão, Albert (Hanno Koffler, inexpressivo), é o oposto, tentando se aproveitar de tudo e de todos sem dar nada em troca (como pôde Roman se arriscar para buscar o celular de Albert derrubado pelo próprio Albert?). Há um subtexto dramático de uma relação não muito alegre entre os dois, o que, contudo, é explorado apenas no terceiro ato, quando Roman descobre algo de que não sabia. Os coadjuvantes são completamente rasos: Peter (Robert Finster) é o orgulhoso (recusa ajuda no riacho) que deseja separar o grupo; Vincent (Yung Ngo) é o apavorado (como na cena do carro) e inseguro (questionando se não estavam andando em círculos); e Stefan (Klaus Steinbacher) é o único provido de atividade cerebral, ironizado pelos demais (“Lenhador”) e que pouco aparece.
O frio representado pelas vestimentas dos rapazes se traduz em uma frieza da própria mise en scène. Os golpes são muito mal dados, artificialidade reforçada, por exemplo, pela postura da moça do estabelecimento, que parece anestesiada. A montagem alterna entre dois contextos – de um lado, o pretérito diegético, marcado pelas alegrias de Roman com sua noiva, Lisa (Livia Matthes), de outro, o presente diegético, em que reside o suspense da película -, porém o nexo na alternância é mal escolhido. Um machucado no pé em um dos amigos faz com que Roman se lembre do machucado causado por uma água-viva na coxa de Lisa, algo que não faz muito sentido diante do risco que corre na floresta. Não que o suspense da trama seja envolvente, mas a alternância tem grande potencial anticlimático e pouco agrega à paixão sentida pelo herói (que seria convincente com apenas um flashback, ou, melhor ainda, um início, no presente, com interação entre ele e a noiva).
“Caça invisível” tem natureza de suspense, que prevalece, com uma tentativa de camada mais complexa com um drama familiar. O filme é ruim em ambos. O suspense é minado tanto pela estupidez do grupo quanto pela nada crível onipresença do inimigo. O drama é desenvolvido sem clareza (em que consistiria exatamente o trabalho? Qual é a real função de Albert?) e se encerra corroborando a inércia do protagonista em todos os aspectos da sua vida. Sem usar de hipérbole, pode-se afirmar que a produção é um caso raro em que a solução seria recomeçar do zero, pois nada ali se aproveita.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.