“BRINQUEDO ASSASSINO” – Chucky tecnológico e gore
A cena em que o sangue de um homem brutalmente ferido espirra no rosto de uma criança eufórica para ter seu presente é a síntese de BRINQUEDO ASSASSINO, lançado em 2019. Se o filme de 1988 priorizava o terror levando a sério o ruivo boneco Chucky, e suas continuações se aproximaram do humor nonsense (e duvidoso), a nova versão abraça o terror, o gore e um tipo de comédia nada convencional. A nova abordagem se afasta do clássico em alguns aspectos significativos sem, com isso, deixar de divertir.
O ponto de partida, contudo, não é tão distinto das produções anteriores. Andy e sua mãe se mudam para uma nova cidade em busca de um recomeço. Preocupada com o fato de seu filho não fazer novas amizades, ela lhe dá um boneco altamente tecnológico que propõe atividades lúdicas, executa comandos de voz e serve como companhia a seu dono. O que parecia ser um presente inofensivo e atrativo se transforma em uma grande ameaça quando o boneco Chucky se torna possessivo em relação a Andy e capaz de tudo para ser amigo do garoto.
Não leva muito tempo para se notar que o conceito do vilão foi atualizado. Sai o boneco que abrigava a alma de um assassino sádico em busca de um novo corpo e entra um brinquedo tecnológico que deveria ser o amigo para toda hora. Uma justificativa aceitável para remakes é dar a eles outra ideia ou abordagem, o que esse filme faz ao mostrar a empresa Kaslan oferecendo diferentes serviços de maneira moderna aos clientes (aplicativos de música e de transporte sem motorista, por exemplo) e também atuando no ramo de entretenimento (graças à venda da linha de brinquedos Buddi). Os bonecos não só interagem com os donos, falando e agindo como um amigo a partir de um sistema de comandos interno, como também têm a capacidade de se conectar com outros serviços da empresa ou objetos tecnológicos em geral.
Deixar a natureza lúdica e se converter em um perigo mortal é o arco destinado a Chucky, também associado ao conceito tecnológico. A origem é a decisão do funcionário, que o fabricou, de alterar seus comandos para permitir linguagem chula e comportamentos violentos; após isso, ele vai parar na casa de Andy, que estranha sua aparência bizarra, mas após algumas hesitações vê nele uma companhia (mudança de postura representada pela canção gravada no boneco); em seguida, Andy e os amigos o usam para assustar outras pessoas; até que Chucky começa a demonstrar sentimentos radicalmente protetores e ciumentos em relação a Andy (defende o menino de tudo que o ameace ou o deixe infeliz). Por fim, as reações dos jovens ao slasher movie exibido na TV acabam moldando a “personalidade” em formação do brinquedo definitivamente, criando a falsa relação entre violência e diversão.
A construção do arco de Chucky tem seu valor em um dos níveis dramáticos que o trata como uma criança ingênua. Carente de filtros tecnológicos ou “sociais” que poderiam reprimir atitudes condenáveis ou socialmente reprováveis, ele não sabe que não pode agredir quem quer que seja nem como conter seus “instintos” mais básicos – Andy tenta educá-lo, porém é um simples jovem incapaz de exercer tamanha responsabilidade e fazer o processo durar algum tempo razoável. Por outro lado, o personagem é comprometido pelos efeitos visuais, tanto na aparência quanto nos movimentos: mesmo usando efeitos mecânicos, a tentativa de passar veracidade e realismo cria um semblante artificial e movimentações corporais nada naturais. Trazer para a narrativa comentários sobre a estranheza do boneco não é suficiente para justificar o aspecto creepy mal feito.
Percebendo as fraquezas da criação de Chucky, a narrativa o esconde nas sequências de ataque com o intuito de indicar sua presença através dos golpes dados e não da aparição completa. Ao invés de colocá-lo sempre em primeiro plano, a câmera o enquadra em planos-detalhes usando a clássica faca com a qual mata as vítimas ou transformando apetrechos tecnológicos em armas. Sobre a atmosfera em torno dos ataques, há uma alternância razoavelmente boa entre o gore, o suspense pela sugestão e o humor negro: a insinuação da ameaça através do fora de campo é o menos eficiente porque se resume, muitas vezes, ao jump scare diante do surgimento de Chucky; o choque da violência vem pela apresentação, sem pudores, dos efeitos dos assassinatos e das atitudes brutalizadas dos personagens, exemplificado pela primeira morte e pela cena em que uma criança é algemada; os elementos cômicos são extraídos do absurdo que seria um boneco psicopata e a relação inusitada dos indivíduos com a morte.
Apesar de não ocultar as fragilidades que dizem respeito ao roteiro (a falta de sentido para a origem do brinquedo como uma vingança, as aparições inesperadas do vilão em lugares distantes, a passividade de Andy frente ao primeiro assassinato cometido por Chucky e os arcos previsíveis de mãe e filho), “Brinquedo assassino” tem seu valor como entretenimento fugaz que dura o tempo da sessão. Trazer uma franquia desgastada pelo tempo e pelas produções duvidosas do passado exigia um elemento diferenciador que justificasse uma nova versão. E isso é feito pela abordagem tecnológica e pela maneira como a violência é trabalhada a ponto de gerar uma diversão, no mínimo, eficiente.
Um resultado de todos os filmes que já viu.