“BREXIT: THE UNCIVIL WAR” – Denúncia sem grandes repercussões
“A arte da guerra se baseia na dissimulação” (Sun Tzu em seu livro “A arte da guerra”).
Mesmo que tenha por objeto um assunto contemporâneo bem delimitado, BREXIT: THE UNCIVIL WAR constitui também um retrato ao modus operandi da política hodierna. Isto é, a política que vem sendo feita no Reino Unido nos últimos anos não é tão diferente daquela praticada nos EUA recentemente e até mesmo no Brasil. Táticas fáceis e eticamente questionáveis, mas que dão certo.
O longa é uma ficção baseada em fatos reais, focada nos bastidores do referendo em virtude do qual a população do Reino Unido decidiu favoravelmente à saída da União Europeia (o que ficou conhecido pelo termo “Brexit”). O grupo vencedor teve como trunfo a escolha de Dominic “Dom” Cummings como líder, um estrategista difícil de lidar, mas cujos resultados falam por si.
O roteiro de James Graham assume que, apesar de baseado na realidade, tem adições fictícias. Na prática, a opção é temerária, já que o espectador não tem como saber o quanto daquilo é real. Por outro lado, serve como vetor interpretativo da película: em uma visão superficial, o longa exibe os bastidores do referendo (uma imprecisão terminológica, pois, ao menos ao traduzir para o português, trata-se de um plebiscito), o que não deixa de ser verdade, mas uma verdade parcial; indo mais a fundo, “Brexit” se debruça sobre um dos protagonistas não tão célebres desses bastidores, o que novamente constitui uma verdade parcial; em olhar mais apurado, o filme é um estudo sobre o que é feito para conquistar o eleitorado.
O protagonista Dom diz que todos sabem o que aconteceu (a população votou a favor do Brexit), mas não como aconteceu. Talvez os britânicos tenham maior conhecimento sobre o estrategista, mas provavelmente não sobre as estratégias adotadas. Ou mesmo sobre a pessoa dele, visto como um “geek anarchist” (traduzido na legenda oficial como “anarquista nerd”, mais uma imprecisão terminológica) pelos parlamentares (são vários os atritos entre Dom e os políticos, já que o que ele quer constitui, no fundo, justamente o que eles não querem dar: “controle total”).
Em outras palavras, é fato público que houve campanhas para os dois lados, sendo Dom o estrategista de um deles, porém o filme desnuda tanto o procedimento (a estratégia) quanto a pessoa (o próprio estrategista). À primeira vista, Dom parece um homem inescrupuloso e frio, quase uma máquina em seu trabalho – basta ver a diferença em relação a Craig (Rory Kinnear, discreto), líder do outro lado, mas que realmente acredita na causa e pensa nas repercussões posteriores à campanha (o que Dom não faz). Mas não é bem assim: o papel de Benedict Cumberbatch pode ter realmente uma voracidade no trabalho, mas a humanidade também se faz presente, em casa, com a esposa grávida, com quem Dom se preocupa bastante. Ou seja, não é uma personagem unidimensional.
Cumberbatch é ótimo como sempre, porém o papel não é muito desafiador para a sua carreira. Dom não é muito diferente do Doutor Estranho (do filme homônimo), que não é muito diferente do Sherlock (da série homônima), que não é muito diferente de Alan Turing (de “O jogo da imitação”). Todos esses são papéis célebres da sua carreira, mas marcados por perfis bem similares: homens arrogantes, inteligentíssimos, antissociais, bons no que fazem, mas aparentemente sem coração (e que sempre encontram alguém que descobre que isso é só aparência). Um ator bom interpreta bem seus papéis; um grande ator se desafia com papéis bem variados. Falta a Cumberbatch desafiar-se mais.
Conforme anunciado, “Brexit” tem a obra (a campanha) e seu autor (Cummings) como objetos, o que merece, todavia, uma interpretação aprimorada. Em visão macro, o filme é sobre como é feita a política para manipular as massas. Não à toa, quando o longa se torna mais publicitário (em termos globais) e menos político (com enfoque em personagens menos conhecidas fora do Reino Unido), fica mais interessante e universal. A campanha para angariar votos não pensa no que é melhor, mas em como angariar votos. É necessário ter “planos escuros e impenetráveis como a noite” (parafraseando Sun Tzu, referência clara do script), mesmo que isso implique faltar com a ética.
A nova política não é direita versus esquerda, mas velho versus novo (e isso está expresso no texto do filme). Não adianta tentar convencer quem já decidiu, é necessário aliciar os indecisos. Como? Através do medo. É onde entra o marketing e, principalmente, as mídias sociais. Implantar fake news, fomentar o ódio entre os cidadãos e, principalmente, disseminar o medo em relação às propostas do adversário. Está tudo na internet, o perfil do usuário é fácil de ser extraído. As grandes empresas (que dispensam menção) sabem as decisões das pessoas antes mesmo de elas serem tomadas. Tendo esse tipo de informações, basta plantar notícias falsas que o terreno já terá um bom adubo.
É uma pena que a direção de Toby Haynes não seja das melhores. Mirando uma linguagem cinematográfica pós-moderna como a de Adam McKay, Haynes quebra a quarta parede e intensifica a verborragia. No primeiro caso, o recurso é demasiado discreto (a levantada de sobrancelha de Dom); no segundo, há tanta informação na primeira montagem paralela que o filme assusta de tão confuso. Há boas escolhas, como no figurino de Dom (o único não engravatado daquele meio) e a trilha musical erudita (eventualmente com ritmo épico), porém o tema abordado tinha potencial para ir muito além. É importante abrir os olhos do povo para a manipulação midiática na seara política. Mas é necessário tornar isso atraente, caso contrário, será apenas uma denúncia sem grandes repercussões.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.