“BRANCO NO BRANCO” – Genocídio
* Filme assistido na plataforma da FILMICCA (clique aqui para acessar).
Em 1944, um advogado judeu polonês, Raphael Lemkin, criou a palavra “genocídio”, unindo as gregas “geno” (raça) e “cídio” (matar). Sem conteúdo jurídico, o Tribunal de Nuremberg usou o termo para descrever os atos nazistas. Não foi apenas no Holocausto, contudo, que ocorreu um genocídio. BRANCO NO BRANCO mostra outro episódio genocida, substancialmente diverso, mas igualmente abjeto.
No início do século XX, Pedro é contratado por um poderoso latifundiário da Terra do Fogo, no Chile, para tirar fotos do seu casamento. Quando ele conhece a noiva, fica encantado, o que faz com que corra mais riscos e acabe conhecendo mais da região.
Duas características são gritantes no longa. A primeira é o ritmo lento empregado por seu diretor, Théo Court. São cerca de cem minutos de poucas falas, vários minutos com imagens de paisagens praticamente estáticas e cenas extremamente vagarosas. Certamente as condições para tirar fotografias demandavam mais tempo, porém o cineasta faz questão de alongar tudo o que ocorre em sua obra, a começar pelo trabalho do protagonista.
Relacionado à primeira característica gritante está a segunda, que é a dispersão. No mínimo até a metade do filme, o texto, escrito por Court e Samuel M. Delgado, não tem grande enfoque no genocídio indígena. Lars Rudolph ganha um papel sem nome, mas com bastante espaço, ainda que sem relevância na trama – praticamente o mesmo vale para a Aurora de Lola Rubio. É evidente que a proposta é essencialmente contemplativa, entretanto o roteiro é mal desenvolvido para gerar no espectador a perplexidade esperada. Havia formas mais incisivas de censurar os atos praticados na época. A interação de Pedro com Sara (Esther Vega), por exemplo, ganha tempo demais de tela para não chegar a lugar nenhum. Trata-se de uma verdadeira muleta do script, já que serve apenas no início (para Pedro surgir como contratado do sr. Porter) e no meio (para que ele trabalhe de outra forma na região).
Alfredo Castro é discreto e pacato no papel de Pedro, o que combina com o próprio espírito de “Branco no branco”. Tudo acontece com bastante vagar, sem sobressaltos. Há apenas duas cenas capazes de impressionar. Na primeira, a personagem de Lars Rudolph trata mulheres indígenas como animais sencientes; a segunda é o plano final do filme, que é de um simbolismo fenomenal. Ainda assim, é muito pouco para uma obra que aborda um assunto quase desconhecido do (ou pouco lembrado pelo) grande público. O que ajuda a tornar as duas cenas mais impactantes é a reação de Pedro, pois Castro transmite perplexidade nas situações.
A fotografia do longa lembra a de muitos filmes de Pablo Larraín. Na primeira parte, ela é nevada e bastante acinzentada, com planos abertos que deixam claro que se trata de um local ainda sem muitas pessoas e bastante inóspito. Depois, ela ganha tons arenosos, de modo que a paisagem se torna desértica e ainda mais perigosa para as vítimas do senhor Porter – personagem que é praticamente uma piada dentro do filme, chamando a atenção quando uma personagem afirma que ele “é tudo” (ou seja, é o monarca absoluto da região).
Coerente com a atmosfera contemplativa, o som do filme é majoritariamente diegético. O mesmo ocorre com planos de sobre-enquadramento, em que o público enxerga o que Pedro está enxergando para tirar suas fotos, como câmera subjetiva. O que outrora era impactante para o protagonista se torna algo banal, deixando o espectador solitário na incredulidade. É uma pena que haja tamanha demora (de certo modo, algum disfarce, dada a discrição) no trato do tema principal da película, o genocídio. O ápice está no final, mas é preciso paciência para chegar até lá.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.